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Encontro com Notáveis: presença de Marien Calixte
29/08/2003 · por Paulo de Tarso Rezende Ayub

No dia 13 de agosto, o programa “Encontro com Notáveis”, uma readaptação concebida pelo Da Vinci para a série “Diálogos Impertinentes”, da PUC/SP, foi realizado um encontro com Marien Calixte, personagem singular da cena cultural capixaba, com incursões pela Música e Literatura, que acumula cinqüenta anos de atividades como jornalista e escritor; atua há 45 anos na condução do programa de rádio “O som do jazz”, na Rádio FM Universitária (o pioneiro nessa abordagem na América do Sul) e que se autodefine como uma “pessoa de talento”. Na platéia, um dado curioso: junto com professores, alunos e dirigentes, grande presença de funcionários das áreas administrativas da escola, demonstrando uma concepção educativa ampliada para além de seus limites de atuação profissional.

A princípio, o convidado mostrou interesse em compreender os motivos da escolha de seu nome, ao que lhe demos a conhecer a filosofia do programa, que consiste em abrir um espaço permanente para que personalidades capixabas, com destaque em diferentes campos do conhecimento, possam partilhar, com aprendentes interessados, sua experiência de vida e suas percepções do mundo, da realidade e da arte. Marien Calixte é um ícone da cultura local (e por que não universal?) e não poderia deixar de compor a galeria dos convidados em uma iniciativa que prima, acima de qualquer coisa, pelo reconhecimento das potencialidades locais e pela socialização de experiências e conhecimentos que acumulam.

O tom inicial da conversa com o terceiro notável foi marcado pela reflexividade e crítica em relação à tendência do povo brasileiro no sentido de não dar valor às singularidades locais (uma espécie de “mania nacional”). Segundo ele, apesar de o Brasil ser um país com uma riqueza musical extraordinária – diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, em que se costuma fazer música apertando botão ou recorrendo a grunhidos e truques eletrônicos -, nossa gente ainda não aprendeu a fazer uso desse potencial para ganhar reconhecimento cultural e credibilidade no resto do mundo. Analisando com profundidade os motivos dessa alienação cultural, destacou um ponto nevrálgico: embora haja uma legislação obrigando as rádios nacionais a executarem 50% de música brasileira, a maioria não toca praticamente nada genuinamente nacional, o que ele considera um comportamento ”tosco”. Parece que, no Brasil, só consegue fazer sucesso quem é estrangeiro ou os artistas nacionais que substituem a boa música brasileira pelos grunhidos e saltos acrobáticos.

Para ilustrar suas percepções, Marien Calixte citou o caso das gravadoras japonesas, que compraram todas as matrizes das gravações de bossa-nova, ao passo que, no Brasil, pérolas musicais como “Eu preciso aprender a ser só” e “Viola enluarada”, além de pouco executadas, vão se perdendo na memória dos poucos brasileiros que cultuam um dos gêneros mais celebrados na história da música contemporânea. Deu destaque também a Heitor Villa-Lobos - com sua habilidade em congregar erudição musical e valorização das coisas nacionais; e cuja peça “As bachianas” merece uma paixão irrestrita por parte da Europa, sendo pouco ouvida e difundida em seu país de origem - e à figura de Antonio Carlos Jobim, um dos três compositores mais aclamados no planeta e que, em sua pátria, está longe de ser unanimidade. É como se houvesse uma cultura instituída entre nós com o espírito de que “no Brasil é proibido fazer sucesso”. Eis uma das falas mais contundentes do notável: “Embora a arte mexa com o coração e imaginação das pessoas, a questão cultural no Brasil é uma coisa ridícula”.

Enveredando-se pelos caminhos da língua e literatura, o notável também não poupou críticas, ressaltando o menosprezo do brasileiro em relação ao próprio idioma, o que se reflete pelo desinteresse de nossa gente em freqüentar cursos de português ou redação, apesar das dificuldades de expressão reveladas em diferentes contextos.

Essa crise de identidade (“Deixar seu idioma é realmente uma tragédia”) reflete-se no exagero na incorporação de estrangeirisimos e em especial no nível da escrita praticado por diferentes categorias profissionais e na postura descuidada da Imprensa e da Mídia na criação de uma cultura de popularização dos erros, muitos dos quais “crassos”. E aqui Calixte faz uma reflexão instigante a propósito da atuação de sua própria categoria profissional: um dos compromissos dos jornalistas, segundo o código de ética da categoria, consiste na defesa intransigente do idioma nacional. O que esperar de um país em que os próprios profissionais da Imprensa adotam postura descuidada perante o idioma?

Debruçando-se sobre o tema da identidade cultural, Calixte faz uma ponderação interessante: “Identidade é o que se produz e não uma imagem que se vende”. As pessoas costumam ser simplistas no trato da questão, o que se reflete por exemplo na escolha de adjetivos categóricos para caracterizar alguns povos (carioca como malandro; paulista como trabalhador; paranaense como organizado) ou na tendência de associar alguns hábitos culturais à questão identitária. É inconcebível tentar associar a cultura de alguns países a alguns hábitos culturais cotidianos, como o “carregar pão por sob o braço” do francês, o gosto pela pizza do italiano e o chá das cinco do inglês. Identidade cultural é muito mais que isso. No Espírito Santo, têm sido cometidos alguns equívocos, como dizer que o congo é uma manifestação da cultura capixaba, quando na verdade se trata de um gênero musical advindo da África, e que atravessa os séculos. Essa história de “carregar panela de barro com uma moqueca debaixo do braço” não dá conta da singularidade capixaba. O sentido real de cultura se produz de forma muito mais intensamente do que uma imagem pode traduzir. Calixte propõe que cada cultura seja respeitada naquilo que lhe seja singular: Não existem padrões; “o africano tem o direito de viver à luz das suas singularidades”; “Gandhi, sozinho, derrubou a ditadura inglesa”.

Ingressando no universo pedagógico, Calixte propõe que as abordagens midiáticas devam ser matérias curriculares, como acontece com o Português e outras disciplinas. E deu uma contribuição significativa sob esse aspecto: dizendo ser um espectador curioso e antenado, fez um passeio analítico pela novela global Mulheres apaixonadas, valorizando sua tendência em trazer à tona problemas variados da realidade contemporânea (o adultério no casamento; a violência física e psicológica contra as mulheres; o ciúme obsessivo de alguns personagens; a diferença de idade no amor; o lesbianismo), mas criticando a espetacularização de algumas abordagens, a exemplo da retratação de uma realidade escolar que é apenas “ilusão de ótica”; da tendência de tratar bandido como celebridade; da tônica dada ao sofrimento infantil, com doses de exagero dramático. Disse estranhar a ênfase atribuída ao episódio da bala perdida, em vez de propor o acompanhamento do inquérito policial instaurado para apurar os fatos e punir os responsáveis.

Dirigindo-se especificamente aos jovens presentes, Calixte pediu-lhe opiniões a respeito dos assuntos que vinha abordando, demonstrando tendência de valorizar a interação e de compreender/incorporar os pontos de vista do outro. Um dos alunos presentes concordou que o espetáculo é realmente a tônica das abordagens midiáticas, que enfocam problemas e problemas, em vez de propostas de soluções. Calixte alegou que os jovens devem ser trabalhados pelas escolas e famílias para não perderem o senso crítico nem assumirem a postura de aceitar tudo ingênua/passivamente. Valorizou-os a buscarem sua própria linguagem artística, continuando a fazer suas incursões pelo rock e pelo pop, mas não se limitando a conhecer apenas essas formas de expressão.

Apesar de seu tom discursivo predominantemente crítico, Calixte acredita que a deformidade cultural brasileira tem solução, porque o país está em processo de mudança, vivendo uma fase atual de muito discurso e pouca ação, mas com uma propensão ao aprimoramento. “O Brasil vai ser mais, ainda que os governos sejam burocratas; algumas categorias queiram ganhar mais que os operários; ainda que a polícia seja ineficiente e que haja mais pensadores que agentes. O que é preciso é adaptar a educação às novas regras da sociedade, e ensinar o brasileiro a pensar mais coletivamente”. Nesse particular, apresentou uma percepção favorável em relação à capacidade de exposição da sociedade norte-americana, que faz arte e alcança repercussão internacional a partir da análise de suas próprias mazelas, postura que o brasileiro ainda não abraçou e por isso deixa de evoluir sob diversos aspectos, inclusive o da autocrítica.

Na última etapa de sua abordagem, Calixte tratou dos haicai, gênero literário nascido no Japão e que caiu em sua preferência na produção estética, tendo sido o precursor do gênero no Espírito Santo, com o lançamento de uma coletânea de textos em 1990. Declamou alguns haicais de sua autoria (Doloroso é o coração desocupado / Entre-fios: A lua foi vista passando por dois fios da Escelsa) e convidou os presentes a prestigiarem a “Roda de Leitura”, do Circuito Cultural Banco do Brasil, em sua versão 2003, durante a qual será homenageado como o escritor capixaba do ano, inclusive promovendo lançamento de nova obra de sua autoria, agora uma coletânea de contos.

O encontro com o terceiro notável constituiu-se numa verdadeira aula para todos os presentes, pois Calixte conseguiu fazer releituras instigantes de questões repisadas, inclusive questionando conceitos pouco consistentes, como o de Modernidade: “Moderno é apenas Deus, que consegue sempre estar à frente de seu tempo. O resto é apenas uma eterna releitura do antigo”. Primando pela diversidade de temáticas e perspectivas de abordagem, o terceiro notável brindou-nos com uma releitura da realidade e da cultura como só as mentes mais avançadas são capazes de tecer.

Encontro com Notáveis - Rogério Medeiros
Encontro com Notáveis - Cariê Lindenberg
Diálogos Impertinentes - Carlo Bússola e Victor Biasutti



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