A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em parceria com a Folha de S. Paulo e o Serviço Social do Comércio de São Paulo, mantém uma iniciativa acadêmica de relevância cultural e formativa: a série “Diálogos Impertinentes”. Os programas da série consistem no encontro de intelectuais de diferentes campos do conhecimento para apresentar pontos de vista divergentes ou complementares em torno de temas instigantes, sob a coordenação de um mediador e atendendo a consultas dos espectadores.
Dentro do “Programa de formação para professores Da Vinci”, vimos abrindo espaço para assistir a alguns desses programas e debatê-los. A adesão dos educadores é voluntária, pois, embora seja uma proposta de formação assistemática, pode gerar sistematizações interessantes e ampliações do conhecimento, de acordo com o nível de consciência e interesse de cada participante.
Um dos últimos programas selecionados para a finalidade foi “O Simbólico e o Diabólico”, que trazia como debatedores a poetisa Adélia Prado e o ex-frei Leonardo Boff. Discorrendo sobre a razão e a emoção no trato da questão da espiritualidade, o programa despertou interesse nos espectadores, que sentiram vontade de prolongar as discussões para além do que havia sido oferecido no programa. Assim foi que o professor Joelmo Costa (Geografia no Da Vinci) propôs convidar intelectuais capixabas para discorrer sobre o tema, ou apresentar outras contribuições culturais.
O primeiro convidado que esteve conosco foi o professor Carlo Bússola, profundo conhecedor da história e ideologia das religiões, ministrando cursos acadêmicos permanentes a respeito das temáticas em Vitória e outras regiões, além de manter uma coluna semanal no jornal local “A Tribuna”.
Carlo Bussola e professores Da Vinci
Trouxe sua experiência de vida como padre e missionário, percorrendo diversas regiões do mundo sob comando da Igreja Católica, até desembocar no abandono do ofício sacerdotal para assumir um novo sacerdócio: professor de Filosofia e Teologia, querendo despertar consciências e gerar um olhar desalienado acerca das questões de fé e religião. Seu contato com os profissionais do Da Vinci foi interativo e motivou controvérsias, desconstituindo mitos e verdades absolutas.
Após a presença do professor Carlo Bússola, sentimos vontade de continuar com a proposta, que acabou por dar uma nova roupagem à série “Diálogos Impertinentes”, transferindo-a do vídeo para o “ao vivo”. O segundo convidado foi o escritor e artista plástico Victor Biasutti, secretário do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, convidado para também abordar a questão da espiritualidade e discorrer sobre outros temas que considerasse relevantes.
Professor Victor Biasutti
Com um nível de humildade marcante, o professor Victor Biasutti partilhou conosco sua experiência de vida, dando ênfase para o autodidatismo e a importância de manter interações com os outros para ampliar sua bagagem intelectual. Discorreu sobre suas vivências no Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, enaltecendo o componente cultural daquela entidade e das pessoas que a compõem, na maior parte aposentados que só se desligaram de suas funções burocráticas, mas jamais do “aprender a aprender”.
Professor Victor e professores Da Vinci
Indagado sobre as prioridades que abraça em seu atual momento de vida – dentre os pilares da religião, política, arte e existencialismo -, o debatedor alegou que os dois últimos ocupam sua agenda pessoal com vigor, o que demonstra o espírito jovem que o move, e a outros intelectuais de sua geração. Produz permanentemente materiais artísticos de qualidade, que vão desde coletâneas de poemas e narrativas até textos imagéticos com um estilo inconfundível (veja recortes ao longo dessa matéria). Sobre espiritualidade, demonstrou um ponto de vista bastante particular, que já ultrapassou a fase do apego a uma religião para internalizar a convicção de que Deus é uma UNIDADE que brota da DIVERSIDADE presente em todas as suas criações, do imaterial ao humano.
O professor Victor Biasutti presenteou seus espectadores com um texto recente de sua autoria, em que faz uma recriação a partir do romance “Canaã”, de Graça Aranha (perto de comemorar seu centenário), e com uma abordagem variada, contemplando diversas áreas do conhecimento e pontos de vista que estão longe de querer configurar verdade absoluta, mas que compõe um estilo de vida digno de ser partilhado, para resgatar a singularidade do humano, no meio de tantos “truques” que a sociedade cria para conduzir à massificação.
Parte do texto segue no final desta notícia.
A seguir, alguns exemplos de desenhos criados por Victor Biasutti. (Clique nas imagens para vê-las ampliadas)
O Da Vinci pretende continuar a investir nessa frente de formação, pois se trata de momentos singulares, que inquietam os participantes e os levam a pensar sobre o conhecimento e a se (re) pensarem como sujeitos educativos e pessoas, debruçando-se sobre suas agendas pessoais, que às vezes, na correria da vida acadêmica e comunitária, acabam sem merecer o espaço que lhes caberia.
“GRAÇA ARANHA - A PROPÓSITO DE “CANAÔ
Onde está a Terra Prometida? Magos estão-lhe à procura, senhores.
- Num “Vale”?... fração ínfima do Universo? Em lugar definido, onde?!
- Neste mundo tão pequeno quanto uma gota d’água no Oceano?... Ou em lugar indefinido?!
Mítico paraíso... Canaã misterioso... Estaria escondido aqui, ali, acolá, ancorado em porto diferente... ou em parte nenhuma?!
Sopro eterno, pré - existente, sempre a nos fugir... Contrário ao nosso nada - Ser?!
“Pé no chão”. Mergulhamos fundo no lago da memória, à procura da verdade incerta, humana.
Testemunha visionária, Graça Aranha em seu romance-histórico, há cem anos, analisou um processo judicial da Comarca do antigo Porto do Cachoeiro, hoje Santa Leopoldina, cognominada, à época, também, “filha das águas”, a propor estudo social para reparos de justiça.
Embrenhemo-nos na floresta, disse Milkau... - Cavalguemos com as valquírias, retrucou Lentz, em corcéis unicórnios de vento.
Milkau e Lentz são fantasmas do Juiz Maranhense, a simbolizarem a sociedade humana moderna, vagando sobre o horizonte que se perde longe.
Das grimpas... dos talvegues... voltamos um olhar hipotético e doce às velhas cidades... Margeemos os “santas-marias”, ou singelas nascentes dos “timbuís”, ao encontro da paz sempre vencida pela guerra do homem, o sonhador de fantasmas.
Ultrapassemos os “mangarais”, os “queimados”, as belas fazendas nos estirões das baixadas, às vezes ruínas belas, quanto “berlins” em contínuo renascer das cinzas que cobrem os escombros de nossas incompreensões.
É como o galopar em sonho aos confins, sobre montanhas e nuvens... É a esperança a correr distante, em frente, subindo, sem nunca chegar...
Milkau anteviu Canaã, nele esperou a felicidade. Lentz, dúbio... Não! Os segredos profundos da natureza humana o apavoraram.
Descem ao Rio-Doce à escolha da gleba onde estaria seu paraíso. Milkau, de alma em êxtase, livre como um pássaro; Lentz, presa do espírito guerreiro atormentado.
Aqui é a Terra da alegria e da beleza eternas, falava o pacífico... do reencontro com o perdido... Não nos cabe destruir. Ouça a musicalidade simples das gentes, esquecidas da dor e do ódio.
Lentz cismava um estagnado vazio da existência (pg 114 do livro “Canaã”).
Só o Amor harmonizará os povos, nunca a discórdia e as divisões, retorquia Milkau.”
E o texto continua, completando a história...