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Ensino Público x Privado
22/03/2001 · por Maria Helena Salviato Biasutti Pignaton

Em meu horizonte de tempo na educação – 23 anos – não me vem à lembrança um período em que a temática tenha sido tão proclamada pelos meios de comunicação, como o que vivemos com o atual ministro Paulo Renato de Souza. Como essa não é uma tendência exclusiva da área, o periódico diário já precisa ser "lido" por seleção de assuntos (com ênfase para as manchetes), ao passo que as revistas semanais têm seus artigos com conteúdos tão repetidos que, ao final de um ano, as retrospectivas válidas de registro cabem em pouco mais que dez folhas. A circulação de notícias e informações está exigindo do leitor muito mais competência de seleção do que propriamente habilidades de leitura analítica.

Apesar dos reflexos desse fato nas vivências educativas, não pretendo me ater aqui à leitura crítica de periódicos, mas sim aos efeitos que pode provocar a abundância de registros em torno de um mesmo tema, quando constituem recortes do "discurso de autoridade".

O ministro Paulo Renato indiscutivelmente tem-se empenhado pela causa que defende, tanto que é evidente uma maior mobilização, pela educação, dos profissionais especializados e mesmo de outros que, em época passada, seriam considerados agentes não educativos. Em nenhum outro tempo, tivemos, em relação à Escola, comunidades e sociedade tão crentes de que a formação do homem é condição de conforto e sobrevivência. De se lamentar, nesse contexto, que as declarações de Paulo Renato e membros de sua equipe afigurem-se, por vezes, preconceituosas e imprecisas. Em outra ocasião, manifestei-me publicamente sobre uma fala do ministro veiculada em jornais de grande circulação, quando sugeria risco de vida para alunos de escola particular como problema muito particular dessas instituições. Uma colocação infeliz, pelo tanto de polêmicas que é chamada a gerar. E se assim o é, vale também ao Ministro pensar no possível, no útil, no somatizador de benefícios, quando faz sua voz ecoar como síntese do pensamento público.

Para ilustrar a crítica ora explicitada, vale retornar ao final do ano letivo de 2000, quando foram divulgadas estatísticas oficiais acerca do desempenho dos alunos de ensino fundamental nas provas aplicadas pelo Governo, na modalidade SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica do MEC). Grande ênfase foi dada à queda de desempenho das escolas particulares, proporcionalmente maior que a verificada nas escolas públicas, apesar de as médias auferidas naquelas serem maiores do que nestas. Como receptora dessa socialização de "informações", fico tentada a indagar que dados fundamentaram a oficialização desses dados: quantas escolas públicas; quantas particulares; quantos alunos de cada foram submetidos à avaliação e em que locais; entre outros interferentes. Estatística é ciência; não cabe mais ser usada como poder para convencimento.

O Ministério da Educação empenhou-se em buscar justificativas mais favoráveis para a queda do desempenho das escolas públicas, dando destaque ao despreparo do grande contingente de alunos de baixa renda que passaram a ter acesso ao Sistema (o mérito de oportunizar maior acesso da camadas populares ao saber não pode ser tirado do atual Governo). Em contrapartida, quando se trata da escola particular, não há grandes preocupações de análise, realçando-se o tom da crítica pela crítica.

Ressaltou-se, por exemplo, que o ensino privado teria perdido contingente significativo de alunos para as escolas públicas. Ou isso pode sugerir uma insatisfação com o ensino privado ou uma incoerência, pois denotaria que as camadas socioeconômicas não estão se movendo racionalmente com a modificação econômica que a atuação do próprio Governo vem possibilitando. As declarações são tão imprecisas que podem induzir a diferentes linhas interpretativas. O senso escolar do MEC, por exemplo, registra perda de alunos das escolas particulares para as públicas, sem fazer diferenciação entre as instituições coordenadas por laicas e religiosas. A presidente do INEP (órgão responsável pela avaliação em foco), Maria Helena G. de Castro, diz "não saber ao certo o motivo da queda na rede particular". Para ela, a resposta pode estar em uma "crise que a escola enfrenta em todo o mundo". Se não se sabe ao certo, porque não financiar pesquisas consistentes? Se for para ecoar na retórica vazia, para que aplicar testes? Ou será que os pagantes de escolas particulares, embora contribuam duas vezes pela educação do país, não teriam o direito de receber informações mais fundamentadas?

Na "chuva" de justificativas para respaldar a queda de nível de rendimento dos alunos de escola pública, foi mencionado, pelos diretores, o rebatido argumento da "falta de recursos", sem falar no já tradicional "despreparo do professor". O estudo em que se basearam essas declarações também teria abarcado as escolas particulares? Elas também teriam o direito de desvelar as dificuldades que enfrentam ou teriam como pressuposto a obrigação de todos os mantenedores serem administradores e pedagogos competentes, coisa que no governo se observa com raridade?

Alegam os veículos de informação que o SAEB teria a função de acompanhar a qualidade de ensino tanto nas escolas públicas quanto nas escolas particulares de todo o país. O conhecimento que detenho sobre a atuação do órgão faz-se com base em minhas leituras de jornais ou acesso a cursos pagos. Jamais recebi, em nossa Escola, um profissional do Governo para coleta ou sondagem, em que pese ser contribuidora física e institucional. Aliás, o "grande segredo" – os PCN’s publicados pelo Governo para as escolas públicas - só foi descortinado por algumas escolas particulares porque estas procuraram conhecer a bibliografia espanhola (mentora da reforma curricular em prática pelo Governo Brasileiro), quando não realizaram pequenos "furtos" de originais perante escolas públicas, reproduzindo-os xerograficamente. Mas o Ministro limita-se a estereotipar a escola particular como "chata". Chega a ser leviana essa generalização, ainda mais porque a fala do Ministro baseia-se em mazelas já bastante combatidas pelas escolas que abraçam o desafio da educação libertadora, contemplando desde a necessidade de interação entre professores e alunos até a compatibilização dos conteúdos curriculares à realidade dos educandos.

Entrevistado pela FSP em 04/12/2000, o Ministro Paulo Renato alegou esperar um melhor desempenho no SAEB (fruto dos investimentos maciços no entorno da educação), bem como que a distribuição dos Parâmetros Curriculares Nacionais desembocasse na melhor formação de professores – como se a transmissão do conhecimento, em forma de publicações formais, sempre representasse apropriação ou extrapolação. O que idealizara o Ministro a respeito dos profissionais de educação: bastaria que fizéssemos a leitura de uns poucos livros (PCNs), que a competência viria como "num passe de mágica"? Ora, já não teríamos feito muitas outras leituras antes destas "bíblias"? Se os escritores que tratam da reforma seriam magos, nós seríamos leitores inaptos, formando uma classe homogeneamente alienada (e alijada do processo de construção do conhecimento)? Uma preparação profissional se faz tão simplesmente, como se a prática se restringisse à aplicação de uma teoria? Ora, tudo isso é reduzir a fórmulas simples o complexo percurso da formação de um professor.

Nessa mesma entrevista, Paulo Renato mostra-se insatisfeito com a atuação da Imprensa, que teria construído uma imagem desfavorável do SEAB. É curioso o Ministro voltar-se contra a Mídia, porque, no mais das vezes, esta limitou-se a reproduzir pareceres do próprio Ministro e seus assessores. O despreparo dos professores acaba sendo um aliado argumentativo do gestor-mor em educação, mas é bastante minimizado quando se pode contar com o apoio do livro didático (na visão do Governo). Na política de marketing institucionalizada pelo Governo, o livro didático é o grande mestre – o professor, um acessório. Não é isso que apontam os especialistas em educação.

A qualidade do livro didático – material cuja exigência poderia ser relativizada por qualquer escola ou comunidade que conheça o valor de uma biblioteca / midiateca, lugar da socialização de informações, de custo alto, mas bem menor do que o dispendido anualmente com a distribuição individual de exemplares de livros didáticos – é fator que se costuma associar ao insucesso da educação, pois geralmente se privilegia, nesse instrumental, a reprodução do conhecimento, em vez da construção e apropriação. Essa evidência não combina com outra: a proposta de formação do profissional da Educação decantada pelo Governo.

Também ressalta o Ministro que "... a incorporação de novos alunos é muito boa para o sistema. Significa que o nível de educação está melhorando...". Qual o significado de nível nessa afirmação: quantidade; qualidade; uma conjugação de ambas as variáveis? Não é possível continuarmos sendo tão amplos e imprecisos em nossos enunciados. Na escola, esta amplitude reverte no nada. O letramento e a leiturização têm ocupado tal espaço no ensino de credibilidade, que a leitura de certos artigos desnecessários torna-se ocupacional de tempo sem função.

Se a fórmula do entregar pronto – vídeos, livros, artigos – bastasse para formar um profissional em educação, escolas particulares comprometidas já teriam resultado dez em qualquer avaliação. Se, nessa mesma linha de raciocínio, o livro didático fosse um aliado do melhor desempenho dos estudantes nas escolas públicas, não haveria por que justificar um nível mais baixo no SAEB para a educação particular, que não enfrenta problemas de falta de material pedagógico, inclusive quanto à diversidade. Cabe refletir também sobre o significado de colocar 4.000 computadores nas escolas públicas - outra medida de grande impacto, anunciada pelo Governo. Função e utilização acontecerão simultaneamente, ou novamente estamos a ser rondados por estratégias de marketing bem montadas? Educar com uso da tecnologia é um desafio que se está a perseguir diuturnamente, em busca de resultados palatáveis. Não basta dispor de um instrumental, se não há uma proposta pedagógica significativa em seu entorno.

Nesse momento em que toda a população tem investido em sua auto-formação – quem contribui tendo trabalhadores em suas empresa ou escolas, ou em sua casas, conhece bem essa realidade -, obviamente que incentivada pelo desenvolvimento sistemático dos programas escolares e alfabetização informal, é importante que o Governo repense o teor de suas declarações. Tratar todo o contingente educacional "`a arraia miúda" é fazer um percurso inverso ao pretendido com a ética de valores que ronda a educação de hoje.

Diante de tantas controvérsias, fica-se a perguntar as intenções do Governo. Se não é possível dar conta do ensino público, por que não favorecer o particular, num momento político-econômico em que a parceria seria interessante e produtiva, até na busca de referências bem-sucedidas para otimização do ensino em sua totalidade? As organizações não governamentais têm administrado expressivas melhorias sociais, claro que com benefícios e interesses particulares, mas isso é muito mais representativo do que a inércia de algumas instituições existentes, muitas das quais lamentavelmente financiadas pelo Poder Público.

Analisando os resultados do SAEB, o especialista Cláudio de Moura Castro diz-se perante uma esfinge a ser decifrada (artigo "A arqueologia da reprovação", publicada em VEJA, 06/12/2000), tal a dificuldade de se estabelecerem diagnósticos precisos com base na aplicação de testes dessa natureza. Não parece que o Ministro tenha essa mesma perspectiva de pensamento, uma vez que se aventurou na seara das imprecisões e dos "achismos". Os agentes educativos não queremos todos calar para consentir. É preciso que repensemos nossas afirmações a cada dia, pois lidamos com o poder da palavra e uma imagem institucional a ser preservada. Se optamos pelo exercício dos posicionamentos ideologicamente marcados, podemos ser decifrados e devorados. Que fique o alerta! Não só para o Ministro, mas para todos que nos entrelaçamos em torno da problemática educacional. O embate entre escolas particulares e públicas e a generalização excessiva (puxando para cima as públicas e para baixo as particulares, sem sustentanção no acompanhamento da realidade educacional) pouco acrescentam às demandas educativas; ao contrário, criam uma polarização desnecessária – mais problematizadora do que solucionadora.

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