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O empreendedorismo no voluntariado
30/11/2001 · por Maria Helena Salviato Biasutti Pignaton

Desde o início do ano letivo em curso, assumi a função de Coordenadora Regional do Programa de Escolas Associadas à UNESCO, abraçando o compromisso de difundir os ideais da entidade no Espírito Santo, ampliar o leque de escolas integradas e estimular iniciativas socioculturais, sob diferentes enfoques de atuação. Ao abraçar tais encargos, jamais me dispus a atuar de modo centralizador ou impositivo, à luz de minhas percepções pessoais e profissionais, uma vez que é preciso considerar a enormidade das demandas e a necessidade de forças agregadas para minimizar as desigualdades sociais e culturais existentes não só em nosso Estado.

A partir de visitas a escolas públicas da rede municipal, procurando inteirar-me do universo de atuação em que se inserem, não há como deixar de enaltecer o empenho e compromisso que alguns dos estabelecimentos visitados dedicam às comunidades a que atendem, principalmente sob o ponto de vista assistencial e ocupacional. A cada visita compreendemos serem essas frentes necessárias. Mas, em contrapartida, para escolas que atuam em outro contexto social, necessária se faz outra atuação, mais voltada para o atendimento a programas socioculturais que tragam, em seu bojo, a veia empreendedora, a fim de que os "assistidos" desenvolvam iniciativas próprias, que transformem a realidade a partir de novos valores, possibilidades e desenvolvimento de competências cidadãs. No Da Vinci, os projetos vinculados à UNESCO visam mais ao "ensinar a pescar", o que não deve servir como referência exclusiva para outros projetos, considerando que cada situação e ambiente exige o "pescar" e o "peixe" diferente, sistemática e simultaneamente. É na riqueza da diversidade e nos caminhos da necessidade que se encontra a riqueza do ideário da UNESCO.

Observando as dificuldades de cada uma das frentes abraçadas pelas escolas visitadas, bem como as que temos vivenciado para a consecução das frentes de trabalho que consideramos mais como dever do que como possibilidade, produzimos este artigo-ensaio para partilhar com a sociedade local os dificultadores que impactam a atuação do Da Vinci, seja como escola associada, seja como coordenadora regional. Como escola associada, buscamos incansavelmente oferecer aos alunos nosso conhecimento por horas de trabalho, inserindo-os em projetos pedagógico-educativos que comunguem os ideais da entidade. Já como Coordenadora Regional, utilizamos recursos de conhecimento pessoal/profissional e gastos em moeda e outros dispêndios (não facilmente mensuráveis, mas igualmente dispêndios), materializados em visitas, comunicação, participações em congresso, socializações, concepção e condução de iniciativas agregadoras, etc.

Como Escola Associada, o Da Vinci conta hoje com um grupo de alunos voluntários, estimulados à autonomia de pensamento e atuação, os quais assumem coordenadorias e são responsabilizados pelos êxitos e insucessos das empreitadas. Em plena execução, dois projetos traduzem uma maior complexidade: o de restauração da capela e casa da Família Lambert, primeiras edificações de origem italiana em solo espiritossantense (quiçá no Brasil) e o de reorganização de uma fábrica de "panelas de barro", em Guarapari, para propiciar melhores condições de vida aos proprietários e empregados, bem como divulgação merecedora de produto da terra. Mais fácil seria para os alunos continuarem envolvidos em causas assistencialistas que os realizam como pessoas, e nas quais os recursos humanos e financeiros se comungam, são próprios e raramente faltam. Difícil tem sido para eles ir em busca de ... para somar com ... e realizar conjuntamente com o outro, participante financeiro, a perspectiva de uma vida melhor, pela transformação cultural de toda uma geração. O que obviamente não significa que não possam estar ou já estejam envolvidos nas demandas de suas preferências, dentro do tempo pedagógico-educativo de cada um.

A dinâmica do mundo em que vivemos e a complexidade da rede de relações que se estabelecem entre as diversas instituições sociais têm sido de difícil compreensão para agentes educativos tão jovens. A necessidade de recursos financeiros é um dos maiores desafios para a continuidade dos trabalhos voluntários de nossos alunos. Projetos empreendedores geram necessidade desses recursos, que não vêm sendo encontrados em nossas incansáveis buscas. Livros de ouro, para contribuições de pessoas físicas, geram pouco volume diante das grandes necessidades; patrocínios de empresas locais não são conseguidos, sob alegação de já estarem comprometidas com outras causas. Tantos "nãos" se sucedem que alguns voluntários acabam por desistir, não compreendendo que projetos sociais de longo prazo podem assegurar resultados mais efetivos do que demandas imediatistas.

Agora, já como Coordenadora Regional do PEA/UNESCO, gostaria de ressaltar alguns pontos para reflexão. Será que a restauração de patrimônio local, tombado pelo Conselho Estadual da Cultura (e em vias de tombar, literalmente), não deveria ser uma causa abraçada mais coletivamente, mesmo que já haja uma gama de projetos financiados? Se pensarmos no universo das pessoas físicas, quantas contribuições seriam necessárias para arcar com um orçamento de aproximadamente R$ 40 mil, a fim de que um só projeto se concretizasse? Em matéria de pessoa jurídica, e com possibilidade de abatimento para fins de imposto de renda, esse universo fica bem mais restrito e fácil de ser operacionalizado. O que, entretanto, tem sido apenas uma "ilusão de ótica" para nós.

Nossos projetos estão bem documentados, socializados via imprensa; usamos de transparência na partilha de receitas e despesas; somos sensíveis na busca de saídas para as dificuldades que nos rondam; estamos conseguindo parcerias de trabalho na elaboração de projetos arquitetônicos, em caráter voluntário. Apesar desse empenho, volta e meia ouvimos o argumento de que, por sermos uma instituição rentável, deveríamos arcar integralmente com os custos dos projetos sociais que idealizamos. Além dos elevados dispêndios financeiros que realizamos para manter e rever as iniciativas em curso, também disponibilizamos vasto material humano para os trabalhos da UNESCO, o que não é objeto de medição financeira, mas representa grande contribuição para o êxito dos projetos, pois não basta contar com recursos, se não houver quem administrá-los e bem empregá-los. Certamente seria mais fácil nos tornarmos agentes filantrópicos para alguma causa específica, mas nossa opção é a de sermos agregadores, considerando que nossa meta maior é o envolvimento do aluno para a transformação social . Estamos, então, aprendendo a conviver com alguns argumentos sem sustentação, que na verdade demonstram ainda uma consciência incipiente em relação ao espírito de parceria que move tantas instituições e pessoas nos dias de hoje.

Muitas são as demandas culturais que poderiam se transformar em patrimônio e economia em nosso Estado – e muitas parcerias a serem buscadas para que tais transformações ocorressem. Do Convento da Penha (não tombado pelo Patrimônio Mundial) ao circuito histórico (fazendas de café, no distrito de São Pedro do Itabapoana), que poderiam se transformar em aproveitamento para o turismo, várias outras. Há instituições sociais precisando de investimento para manter-se. Sabemos que o Governo não consegue ou conseguirá fazer frente às nossas demandas, assim como sabemos que a falta de ética que impera na política e em outros segmentos da sociedade emperram atuações que trariam benefícios a todos. Não há mais como nos iludir: posturas individuais não são o bastante. Faz-se necessário o campo das parcerias como única possibilidade de vida melhor para todos.

Não pretendo aqui fazer apologia aos projetos desenvolvidos pelo Da Vinci, pois esta partilha não contempla apenas iniciativas intra-muros à escola. Outro dia, deparamo-nos com uma peça teatral local que, para ser viabilizada, teve que contar com mais ou menos 50 patrocínios. Parece exagero, mas foi uma realidade acontecida em nosso Estado. Se responsabilidade social é compromisso coletivo, talvez seja chegada a hora de colocarmos a mão em nossas consciências e de buscarmos informações mais consistentes para verificar o que podemos fazer para alterar o rumo do que não anda nada bem, nem para o outro, nem para nós.


Parecer de Gustavo de Souza Pereira, aluno do 1º ano, em 2001

No dia 13 de novembro, aconteceu aqui na escola uma mostra cultural em que nós, alunos Da Vinci, teoricamente mostraríamos aos nossos pais os projetos culturais que estamos desenvolvendo, interagindo com as "estrelas da noite", as crianças e jovens bastante talentosos da instituição Juscelino Kubitscheck. Digo teoricamente, devido ao fato de quase nenhum pai haver comparecido, o que ocorreu em parte devido às fortes chuvas que caíram na noite do evento. Entretanto, o momento cultural foi bastante proveitoso, mesmo sem a presença de alguns, o que serviria de incentivo às crianças e alunos ali presentes. Na hora em que os projetos socioculturais começaram a ser apresentados, eu e alguns colegas fomos à "gaiola" (área de entrada do Da Vinci) para brincar com as crianças daquela Instituição. Foi uma experiência "inenarrável": dois grupos sociais bastante distintos entre si, interagindo com tanta facilidade e alegria. Momentos assim deveriam se repetir periodicamente, com maiores grupos, para que todos possam compartilhar essa experiência. A Escola poderia estar promovendo grupos de alunos voluntários para o sistema "Amigos da Escola", da rede pública, para estes não crescerem pensando que vivem na única realidade existente, sem falar nos benefícios sentimentais que isso traria às crianças "ajudadas".

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