Encontro com a Bossa Nova
Quando se trata do contato entre adultos e adolescentes, costuma-se destacar o “conflito de gerações”, não se preocupando em criar oportunidades que reflitam os pontos de contato entre pessoas de faixas etárias distintas, em termos de gosto estético, valores, competência leitora. Não é raro, também, desconsiderar as riquezas de experiências e conhecimento de mundo que a idade adulta propicia, passando-se aos adolescentes a visão de que o mundo adulto é algo problemático, negativo. Com isso, alguns adultos limitam-se a imitar os jovens, num movimento inconcebível em termos de construção de modelos.
Rompendo com essas duas tendências, o Da Vinci organiza movimentos de dialogia entre gerações que não passam pelo componente problemático ou pela obrigatoriedade, tão usual no universo escolar. Assim vem sendo com trabalhos voluntários; iniciativas de pesquisa e oficinas independentes; viagens acadêmicas e excursões pedagógicas.
Muitas são as ocasiões em que pessoas de diferentes gerações, exercendo liberdade de escolha, somam-se umas às outras, no cenário escolar do Da Vinci, sem desconsiderar as singularidades e centros de interesse de cada geração.
junho 2002: Encontro com a MPB
Foi com esse espírito que alguns integrantes do corpo técnico-administrativo da escola e professores, atendendo a sugestões de alunos (que, volta e meia, manifestam desejo de se integrar com o mundo adulto), idealizaram um momento cultural tendo como tema gerador o movimento da BOSSA-NOVA. Convidamos todos os alunos de primeiros anos, mas enfatizando que deveriam comparecer apenas os que tivessem gosto estético pelo estilo musical e interesse por um momento que nada teria a ver com as opções do “mercado para adolescentes”, ditado pela padronização e liberação de bebidas e outros recursos com os quais a escola não compactua.
O Da Vinci preparou uma coletânea especial para o evento (chamado de “lual”, para se aproximar do mundo adolescente), contendo uma retrospectiva “científica” sobre a bossa-nova e um repertório de canções célebres do movimento, acrescentando-se algumas composições mais recentes, de autoria de Chico Buarque, Milton Nascimento, Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
O momento foi realizado em 21/06/2002 e, para surpresa dos idealizadores, o comparecimento e envolvimento dos adolescentes superou as expectativas. Na pracinha da escola, com um “banquete” partilhado, regado basicamente a frutas e refrigerantes, os presentes dispuseram-se em círculo e começaram a partilhar suas preferências musicais, verificando-se muitos pontos de contato entre adultos e adolescentes. Uma boa quantidade de alunos mostrando-se conhecedores das canções e dos ritmos; encontrando espaços para demonstrar suas potencialidades no lidar com instrumentos musicais e fazer vocais improvisados, em parceria com alguns professores. Ao repertório original, acrescentaram-se canções propostas pelos alunos presentes (destaque para Djavan) e algumas incursões pelo jazz, com boa performance do aluno Luiz Ricardo, do 1º I-1.
Momento Musical com os adolescentes
Durante o momento cultural, houve a apresentação de um trabalho de terceira nota feito em Português que consistiu numa proposta de comparação entre reportagens da Revista Veja acerca das mortes de Elis Regina e Cássia Eller, num espaço de 20 anos. Num 1º momento, um grupo do 1º I-1 apresentou uma dramatização em que simulavam o velório de Elis Regina e concebiam um encontro da grande dama da Música Popular Brasileira com a grande cantora pop Cássia Eller. Interagindo com os espectadores, os ´”personagens” deram uma visão dos papéis que a Imprensa atribui aos artistas, às vezes construindo imagens equivocadas e impedindo o público de conhecer as singularidades dos “mitos”. Em seguida, um grupo do 1º A, partilhou uma pesquisa comparativa em torno de falas marcantes das duas cantoras, bem como de trechos de discurso da revista Veja, com uma tendência a mitificar Elis Regina e a popularizar Cássia Eller. Apresentações simples em termos de recursos, mas profundas em termos de essência e significação.
Após essa parada cultural, o momento musical estendeu-se até as onze da noite, deixando no ar um “gostinho de quero mais” para todos os participantes. Mesmo com duração determinada e com as restrições feitas pela escola para não banalizar o que pode ser especial, a proposta caiu no gosto do público adolescente, que se sentiu à vontade para propor outras iniciativas parecidas. Quem disse que não há espaço para o encontro de gerações, sem conflitos? E quem disse que os adultos têm que se disfarçar de adolescentes para se aproximar deles?