Alunos atores representando o romance
Dramatização, por alunos do ensino médio, de passagens/cenas marcantes da obra “O templo e a forca” revela-se como bom instrumental para potencializar as habilidades de seleção, síntese e extrapolação.
No Centro Educacional Leonardo da Vinci, as produções intelectuais capixabas – científicas e/ou artísticas – são valorizadas de modo permanente como referenciais pedagógicos, pois não há como exigir uma postura universalista por parte dos sujeitos educativos se não for desenvolvida primeiramente uma mentalidade localista entre eles. Isso não constitui obrigatoriedade nem tratamento diferenciado quanto aos critérios de seleção e à filosofia de qualidade que permeiam outros projetos educativos da escola. Mas por que deixar de dar valor a elaborações locais tão significativas, que às vezes não obtêm a repercussão devida no seio de uma sociedade ainda provinciana em termos de consciência de suas potencialidades/limitações e do valor que a cultura e a história devem merecer?
De acordo com essa filosofia de atuação, os professores de Português e Geografia, do Ensino Médio, com apoio do corpo técnico da escola, conceberam um projeto interdisciplinar tendo por alicerce a Insurreição de Queimado, episódio histórico do Espírito Santo com forte carga dramática e caráter mítico, e a obra literária O templo e a forca, do escritor e historiador capixaba Luiz Guilherme Santos Neves, uma releitura dos fatos históricos recheada de interpretações e inovações, conduzida por um narrador que veste diversas “máscaras” e assume diferentes “vozes” para relativizar os fatos históricos e suas interpretações.
Por empenho do próprio autor, foi providenciada uma reedição especial da obra (já esgotada no mercado editorial local) para as quatro turmas participantes do projeto acadêmico. Os exemplares foram entregues a todos os alunos, antes do recesso de julho, para que fizessem uma leitura individualizada, baseando-se em técnicas e roteiros, indicação de recortes para pesquisa e sugestões críticas formuladas pelos professores coordenadores do projeto. Embora a participação fosse voluntária, com os professores abrindo possibilidade de oferecer alguma proposta alternativa ao trabalho literário-histórico, nenhum aluno quis se excluir do processo.
Quando do retorno às aulas em 29/07, foram reservadas algumas delas para que os alunos tecessem análises coletivas em torno da obra e elegessem uma cena significativa para fins de dramatização, devendo ser justificada a escolha, para incentivar também o potencial argumentativo. Divididos em pequenas equipes, os quatro grupos-classe dos 1os anos conceberam e ensaiaram 22 (vinte e duas) apresentações, levadas a efeito todas no dia 07 de agosto de 2002 (4ª feira), alternadamente no auditório e na Sala de Leitura Machado de Assis, no pavimento superior da Midiateca. Debruçando-se sobre personagens e cenas marcantes da obra, os alunos permitiram-se enriquecer suas leituras iniciais com movimentos de criação, sem comprometer a essência de cada fragmento escolhido.
A índole criativa típica dos adolescentes não foi mais significativa que as pesquisas que antecederam as representações, em que os alunos, por iniciativa própria ou incentivados pelos professores, discutiram profundamente a trama tecida por Luiz Guilherme Santos Neves, compreendendo o olhar literário como um “olhar-a-mais” sobre a abordagem histórica. Eis alguns enfoques e recortes utilizados nas tantas dramatizações levadas a efeito:
- os conflitos entre a percepção das coisas religiosas como “miragens” ou “milagres”;
- os dilemas da compreensão e interpretação das palavras que geraram a Insurreição de Queimado;
- a percepção da morte como algo diferenciado para brancos/nobres e negros/cativos;
- a celebração da missa de inauguração do templo de Queimado (com representação dos rituais religiosos, envolvendo a platéia), seguida do início da insurreição;
- a morte da escrava Bastiana, personagem feminino marcante da trama;
- simulação de julgamento em relação ao personagem histórico-literário Chico Prego;
- a morte do pardo Zé Andiroba quando da instalação do sino;
- mosaicos de cenas em que a história é recontada por outros leitores;
- monólogos interiores dos personagens, com intertextos buscados na própria obra.
Foram momentos marcantes no cenário escolar, em que uma obra de grande complexidade pôde ser lida e reinterpretada/recriada sob tantos olhares, gerando profundo envolvimento dos alunos e diversidade de papéis assumidos por eles: ora atores, ora espectadores, ora debatedores, ora leitores críticos. Ao final da atividade, os professores valorizaram o empenho dos tantos subgrupos, mas enfatizaram que, mais importante que as representações em si, foram os “bastidores” do processo e a consciência de que qualquer trabalho pedagógico de qualidade não pode prescindir do envolvimento e cooperação de cada um, naquilo que lhe for possível.
Nas fotos abaixo, dramatização em que o Frei Gregório de Bene, após convencer poderosos e escravos para abraçarem a causa da construção do templo em Queimado, vê-se atormentado por forças do bem e do mal, enredando-se numa teia de conflitos provocada pela palavra.
Frei Gregório, o bem e o mal
Frei Gregório: promessas?
A seguir, cenas de dramatização realizada no auditório, em que o Frei Gregório de Bene proclama um monólogo, enquanto uma réplica da igreja de Queimado vai sendo edificada ao fundo do cenário. Num segundo momento, um escravo desconstrói a igreja, enquanto denuncia o sacrifício dos negros para construí-la e as mortes geradas pela tentativa de libertação que imprimiram, após o envolvimento na utopia religiosa.
"Desconstruindo" a igreja
Ora platéia, ora interlocutores...