O Templo e a Forca: a Insurreição de Queimado 2

Contato do escritor Luiz Guilherme Santos Neves com alunos/professores do Da Vinci constitui etapa marcante do projeto interdisciplinar em torno da obra literária “O templo e a forca”.

Após as dramatizações realizadas em torno de cenas da obra “O templo e a forca” (veja matéria anterior), o Da Vinci convidou seu autor, Luiz Guilherme Santos Neves - professor de História, literato capixaba dos mais reconhecidos e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo – para manter uma inter-ação com os alunos participantes do projeto interdisciplinar em curso. Antes de sua vinda à escola, o professor recebeu uma cópia do projeto montado pelos professores, com detalhamento das etapas previstas, bem como uma visita pessoal destes para situá-lo a respeito do andamento dos trabalhos e das propostas de elaboração a cargo dos educandos. Os alunos, por sua vez, foram estimulados para não atuarem apenas como receptores, cabendo-lhes um aprofundamento prévio na obra e na vida do escritor, além da seleção de recortes para pesquisa e partilha de impressões/percepções.

O encontro entre autor e leitores deu-se no auditório da Escola no dia 09/08/2002, após o horário de recreio do Ensino Médio. Houve cessão de aulas de outras disciplinas para viabilizar o momento, o que demonstra o bom espírito de parceria que vem norteando o envolvimento dos professores com projetos interdisciplinares abraçados pela instituição.

Dando início aos trabalhos, o aluno Lucas de Oliveira Marino (1º B) apresentou um recital de violão interpretando “A dança do Chico Prego”, peça musical de autoria do músico capixaba Maurício de Oliveira, baseada na trajetória de um dos personagens mais marcantes da Insurreição de Queimado. Enquanto se apresentava para uma platéia atenta de adolescentes, Lucas foi situando os espectadores a respeito de cada fragmento, dando significação à trama musical e fazendo intertextos com a obra O templo e a forca.



Num segundo momento, os alunos apresentaram a dramatização de duas cenas da obra literária, escolhidas pelo critério de sorteio, dada a qualidade das tantas representações já comentadas. Na primeira delas, simulou-se a “guerra” que culminou na morte da escrava Bastiana, com efeitos visuais e cênicos: os cativos percorrendo o auditório com velas na mão, entoando o cântico “Escravos de Jó”.


Logo depois, João da Viúva e Chico Prego, já encarcerados, ocupam o palco, à luz de um castiçal, para refletirem sobre a sina da raça negra e as razões que motivaram a insurreição de Queimado e seu desfecho trágico. Ao final, aparece a Imperatriz Teresa Cristina e os negros questionam-se se estariam tendo uma miragem ou vivenciando um milagre, a exemplo do que acontece na obra literária quando o narrador descreve a visão profética de Frei Gregório de Bene acerca do templo de Queimado.



A platéia, formada por mais de 150 pessoas (dentre elas o autor do romance), assiste às cenas dramáticas.







Em seguida, foi passada a palavra ao professor Luiz Guilherme, que, em posição de humildade e reconhecimento ao outro, começou por enaltecer a consistência dos trabalhos e pesquisas em desenvolvimento, valorizando a tendência adotada pelo Da Vinci no sentido de realizar projetos pedagógicos de peso em torno das produções literárias capixabas. Ao começar a discorrer sobre a temática, envolveu os espectadores nas artimanhas literárias, partilhando o “tormento de foro íntimo” que o levou à produção primeiramente de uma peça teatral sobre a Insurreição de Queimado e, num segundo momento, à elaboração da obra literária, mesmo tendo perdido integralmente a primeira versão produzida, por uma “pane no computador”.

O escritor discorreu sobre a pesquisa aprofundada que antecedeu a escritura do texto e algumas “intimidades da criação literária”, demonstrando como vários personagens e cenas, presentes em O templo e a forca, fizeram parte da criação estética. Sugeriu aos alunos a leitura de Benedita Torreão da Sangria Desatada, obra também baseada na Insurreição de Queimado, de autoria de João Felício dos Santos – escritor infelizmente “pouco prestigiado nos estudos da Literatura Brasileira”, apesar da significação que promove em torno de tantos fatos históricos nacionais –, bem como de A insurreição do Queimado, monografia de Afonso Cláudio sobre o fato histórico, prefaciada pelo próprio Luiz Guilherme. Esclareceu, também, que a essência da obra literária é o conflito em torno da palavra, tendo sido usado o fato histórico como referência para uma reflexão metalingüística.

Numa iniciativa gentil, o convidado trouxe ainda seis exemplares da peça originalmente produzida sobre o tema, um para doação à Midiateca da escola, outro para doação à aluna Luísa Cortat Simonetti Gonçalves (1º I 1), que teceu uma pesquisa aprofundada na fase da leitura individual, e outros quatro, para serem sorteados entre os alunos, um exemplar para cada grupo-classe.

Optando por “falar pouco” (sua explanação durou 30 minutos), o escritor passou a palavra aos alunos-espectadores, instigando-os a debater sobre a obra e a apresentar suas percepções e dúvidas. Muitos alunos manifestaram-se com perguntas pertinentes, a maioria demonstrando conhecimento de causa e aprofundamento na leitura e interpretação. O escritor “desmistificou” algumas crenças dos leitores e alegou que a interpretação deve ser mais cometida ao leitor do que ao criador, pois este, isoladamente, não pode dar conta da complexidade de uma obra, em seu contato com os leitores. Disse que não tinha qualquer mensagem utilitária a passar acerca da Insurreição de Queimado, o que não invalida a plurissignificação característica das tramas literárias. Alegou, ainda, que muitos rompantes de criação não têm uma explicação precisa, fazendo parte do jogo literário.

Os alunos questionaram, em vários momentos, sobre a postura do narrador da obra e sobre personagens singulares e cenas especiais, sendo brindados com comentários inteligentes e lançamento de dúvidas por parte do escritor. Ao final da palestra, a percepção de que o professor Luiz Guilherme está mais interessado em promover perguntas e reflexões do que em trazer respostas prontas.


A escola presenteou o convidado com um exemplar da obra Oratórios, capelas e igrejas do Município de Santa Teresa, publicação institucional do Da Vinci que trata da preservação das memórias culturais do Estado, e agradeceu a oportunidade de um contato que foge ao modelo das “palestras tradicionais” para assumir outras dimensões em termos de construção e consolidação do conhecimento.


Para um maior diálogo de pontos de vista, a Escola socializa parecer proferido por uma aluna integrada ao projeto:

O professor Luiz Guilherme dos Santos Neves foi chamado à Escola para aprofundarmos um pouco mais nossa leitura do livro “O templo e a forca”. Gostei muito do livro; achei bastante interessante a história e também que muito poucas pessoas conheçam essa histórica, principalmente os moradores da região do acontecido.

A palestra foi ótima, sempre mostrando o bom humor do palestrante e seu interesse de falar sobre o livro e como resolveu escrevê-lo. O tempo que Luiz Guilherme falou foi muito pouco, pois ele queria mesmo ouvir as perguntas dos demais.

O professor, sempre apto a responder, me chamou atenção por sua simplicidade; respondia rápido e claro, e às vezes confessava que não sabia sobre algum aspecto do livro. O que me chamou mais atenção foi quando perguntaram por que, em algumas partes do livro, o narrador se colocava no lugar dos personagens e ele disse que não sabia o porquê. A partir daquele momento, ele me encantou, pois uma coisa sempre me incomodou em professores de Português: essa mania de dizer: nossa, como esse autor é extraordinário, colocou isso assim, pois queria que desse tal sentido, etc. No momento que o Luiz Guilherme disse aquilo, reforçou o pensamento de que os escritores talvez nem pensem naquilo de fazer tal frase para o leitor pensar aquilo, e sim de fazer tal frase porque “achou legal” ou “acabou de sair da cabeça.”

No fim da palestra, o professor deixou vários livros de uma peça que escrevera sobre Queimado: 3 para serem sorteados, 1 para ser doado à Escola e outro com que presenteou a aluna Luíza Cortat, pelo desempenho na leitura do livro trabalhado em sala de aula e pelos comentários dos professores a favor da aluna. Ao encerrar sua palestra, o escritor recebeu uma grande salva de palmas.

por Anna Paulsen – 1º ano A

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