Em diversos contatos com outros segmentos da sociedade, o Da Vinci percebe um reconhecimento pelo trabalho de preservação e resgate da memória cultural que vem desenvolvendo, a ponto de ter assumido a Coordenação Regional do Programa de Escolas Associadas da UNESCO para divulgar esse espírito perante outras escolas do Estado.
Uma nova demonstração desse “voto de confiança” deu-se por parte da Secretaria de Turismo, Cultura e Lazer da Serra, que, ao conhecer o trabalho interdisciplinar desenvolvido em torno da obra OTEMPLO E A FORCA, de Luiz Guilherme Santos Neves
(leia mais sobre o tema), autorizou a vinda, para a Escola, de 26 quadros da Exposição Comemorativa dos 150 anos da Insurreição de Queimado, Acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, além de emprestar-nos alguns quadros criados pelo artista plástico Walter Francisco de Assis, fazendo interpretações ou recriações de cenas da insurreição (os atos públicos e os “bastidores”). Referidas fontes de pesquisa ficaram expostas à visitação, no 2º andar da escola, durante a semana de 12 a 16/08/2002.
Igreja de São José - Foto do acervo.
... e o que restou em 2002.
Acumulando as funções de integrante do Conselho da Câmara de Artes Plásticas da Secretaria de Turismo, Cultura e Lazer da Serra e membro da Academia de Artes e Letras da Serra, o Sr. Assis revelou-se um grande parceiro cultural, servindo-nos como guia e instrutor em três oportunidades de visitação ao sítio histórico de Queimado. Seu trabalho de resgate da memória cultural levou-o a ser agraciado com a Comenda Domingos Martins, por iniciativa da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. A presença de seus quadros, no espaço do Da Vinci, gerou um comprometimento ainda maior de nossos alunos com a envolvente história de Queimado, dando-lhe maior significação.
O altar, quando ainda existente...
... e em 2002, parte da coluna direita e...
A Exposição Comemorativa, idealizada pelo Arquivo Público Estadual, consta de diversos recortes de jornal da época noticiando os desdobramentos da Insurreição de Queimado. O professor de Geografia, Joelmo Costa, esteve com cada grupo-classe participante do projeto no local da exposição, fazendo leituras de alguns recortes e demonstrando como alguns segmentos da sociedade escravocrata da época reprimiram o movimento e até se jubilaram com a condenação dos cativos à forca e à morte por açoite.
Foi muito interessante perceber, durante a permanência da exposição, as posturas de alguns alunos mais interessados no enfoque histórico, a percorrer isoladamente o corredor e a debruçar-se sobre o material de pesquisa oportunizado, “desnudando” concepções ideológicas refletidas na imprensa da época.
Paulo de Tarso Rezende Ayub
A seguir, alguns trechos constantes dos quadros da exposição.
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 20, 26/03/1849 – P. 04:
“POST SCRIPTUM
(21 de março ás 5 horas da tarde.)
No dia 19 do corrente um grande grupo de escravos armados invadio a igreja da povoação do Queimado na ocasião em que se celebrava o Santo Sacrificio da Missa, e em gritos proclamava a sua liberdade, e alforria, e seguindo para diversas fazendas e alliciando os escravos dellas, e em outras obrigando seus donos á darem a liberdade á seus escravos, engrossou em número de 300. S. Ex. o Sr. presidente da provincia soube deste triste acontecimento ás 3 horas da tarde, e sem perda de tempo fez seguir para aquella povoação o chefe de policia acompanhado de tropa convenientemente municiada.
Estas providencias, e outras que que o presidente tem dado, ajudado da dedicação e valor dos habitantes da quelle lugar e outros bem como a Serra, Cariacica fizerão com que hontem fossem batidos tanto na povoação do Queimado, como na Serra dous grandes grupos daquelles criminozos que ou morrerão, ou fugirão em completa debandada, deixando no campo as armas e munições que conduzião.
Em breve teremos de annunciar ao publico e aos nossos leitores, que a tranquilidade e segurança publica se achão inteiramente restabelecidas, e que os criminosos sofrerão um justo castigo de seus crimes. Animo, coragem e confiança no governo, e nada temos a recear. – Cautella, e vigilancia nos Srs. fazendeiros, para que para o futuro não se repitão factos semelhantes.”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 21, 28/03/1849 – P. 03:
“COMUNICADO
A providencia, que sempre nos tem protegido acaba de livrar-nos do maior dos males, que nos podia opprimir: a insurreição no Queimado, não era um facto isolado, os boatos que ora se crusão e multiplicão com toda apparencia de probabilidade, patenteão que havia um plano extenso e (palavra ilegível), mas Deos castigando seus autores tirou-lhes o juízo! A audácia de alguns escravos, tanto da cidade, como das roças; a maneira insolente porque se portavão; os insultos que prodigalizavão á homens livres; a tentativa de arrombamento no deposito das armas e munições; tudo denuncia a existencia de um plano horroroso: pois bem, estamos livres, graças á Providencia e ás energicas e bem acertadas providencias dadas pelo actual presidente o Exm. Sr. desembargador Antonio Joaquim de Siqueira! Porem cumpre-nos não esquecermos: a luva foi lançada, é bom prevenir para não castigar depois. Se desde as primeiras noticias os cabeças fossem severamente punidos, não teriamos hoje de lamentar desgraças, alem da desmoralização em que fica a escravatura. Um desses insolentes, sendo castigado, tentou suicidar-se. Tornamos a repetir, é necessaria muita vigilancia, qualquer descuido pode trazer-nos novo compromettimento. Não emittimos nosso juiso sobre o castigo que merecem semelhantes malvados, deixamos ás autoridades, ellas saberão punir tão inaudito attentado, sem exemplo nesta provincia, e que a inluctaria, se fosse levado a effeito! Só a idea espanta e horrorisa !! Conheção os senhores o grande erro de consentirem o seus escravos andarem armados: os vendedores de munições o mal que causarão. A causa é commum, todo homem livre é um soldado, devemos sacrificar ao bem publico todos os nossos rescentimentos, porem, no meio de tudo isto devemos ser justos, sejão punidos severamente os culpados; poupem-se os inocentes; louvem-se aquelles que mostrarão grande dedicação e obediencia a seus senhores, denunciando-lhes o trama. Ninguem se attreve a dar uma denuncia falsa, mas ninguem occulte a verdade... não nos illudamos, grandes males nos podem ainda vir. Deos nos queira proteger por sua infinita Misericordia.”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 21, 28/03/1849 – P. 04:
“POST SCRIPTUM
Do districto do Queimado temos noticias muito lisongeiras. O socego publico já se vae restabelecendo e seus habitantes já se vão libertando do terror que os havião assombrado, graças as energicas medidas do Exm. Sr. presidente da provincia e ao zelo e actividade que tem desenvolvido o Dr. chefe de policia eo eximio juiz de paz daquelle districto.
Consta que a maior parte dos escravos insurgentes se tem apresentado á seus senhores excepto os principaes cabeças.
Achão-se presos na cadêa desta capital 30 escravos os quaes entrarão na insurreição e um desertor que tambem pactuou com elles defendendo a causa de sua pretendida liberdade.
Hontem seguio para a villa da Serra a companhia de Guerrilhas novamente organisada pelo Exm. Sr. presidente, em n. de 28 praças comandada pelo cidadão Manoel Vieira da Victoria e Vasconcellos, afim de bater o sertão de Caiuába onde se suppôe estarem reunidos o resto dos insurgidos, que ainda não forão capturados, nem se apresentarão á seus senhores.”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 23, 04/04/1849 – P. 03:
“A providencia, que parece dirigir os destinos desta provincia, com um pae dirige pela mão seu filho mais moço, acaba de livrar-nos do maior dos males que nos podia opprimir! Uma insurreição de escravos teve lugar na freguezia do Queimado, onde reunidos em grande numero invadirão o templo no momento em que se celebrava o santo sacrificio da missa! No meio de vozerias e assuada, se ouvião os gritos de – viva a liberdade, queremos nossas alforrias. – O povo que estava no Templo, amedrontado por este acontecimento não esperado, correu espavorido!
Felizmente a presidencia soube logo o que acabava de acontecer e tomou as medidas as mais energicas para acabar com a insurreição, que, se por peccados nossos, progredisse, enlutaria toda provincia! a idea só nos atterra, opprime nosso coração, e a penna nos treme!!! Uma insurreição levada á effeito?!! que horror!! Meu Deos! vos damos infinitas graças pr tão assignalado beneficio, que nos acabaes de conceder; estamos livres! e o devemos á vossa infinita bondade! O Exm. Sr. presidente da província mostrou grande energia, no meio do maior sangue frio, deu todas as providencias ás mais adequadas, e o resultado foi mais feliz. Os moradores de Itapóca, Cariacica, e Mangarahy, correrão ao lugar da insurreição, todos animados dos melhores sentimentos.”
E continua...
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 28, 21/04/1849 – P. 04:
“PUBLICAÇÕES A PEDIDO
Sr. Redactor
Aqui vai a copia do juramento que fiz no dia 25 do corrente para defender meu character sacerdotal na aleive maliciosa e impia que os negros captivos me levantarão para encobrir e deffender sua malvada e rebelde conduta V. faça-me o favor d’inseril-a no seu periodico se não houver coisa contraria as leis de sua typographia.
De V. etc. – O vigario frei Gregorio José Maria de Bene. – Queimado 26 de março de 1849.
Juramento do padre Fr. Gregorio José Maria de Bene vigario encommendado da igreja de São José do Queimado no dia 25 do corrente diante de JESUS CHRISTO SACRAMENTADO depois da elevação da Sagrada Ostia.
Eu Fr. Gregorio indignissimo ministro da Cruz juro diante d’este verdadeiro Deos e verdadeiro homem, e chamo elle em testemunha de minha innocencia (na grande e maliciosa aleive que os negros captivos levantarão-me no Queimado e na cidade de Victoria diante das authoridades) juro, repito de novo, que eu não fui causa, nem a conselhei a elles no motim, que fiserão no dia de São José 19 do corrente.
Digo tambem, que os Srs. Manoel Salles, José Pinto Lima, sacristão, Manoel Correia e João captivo da Sra. D. Maria da Penha Pereira de Unna forão presentes quando os rebeldes captivos constrangerão-me a abrir as portas da propria casa, e ouvirão que eu disse abertamente ao infeliz e impio Eliziario captivo do Sr. Faustino Antonio DE Alvarenga Rangel, chefe do motim, que eu não podia, nem devia, nem queria dar-lhes carta de alforria, nem diser-lhes alguma coisa relativamente a quanto exigião de mim e a sua malvada revolta, mais disse-lhes, que obedecessem aos seus Srs. e voltassem para suas cazas, que eu era prompto para patrocinal-os, digo mais, que por ordem do Sr. João da Victoria Lima, juiz de paz d’este districto, e por conselho do Sr. Manoel de Oliveira Campos, eu tinha mandado fechar as portas da igreja, e era resolvido de mais não celebrar o Santo Sachrificio e a largar o Queimado, e por tal effeito já tinha enviado a fechar as portas os Srs. Joaquim Ribeiro, Manoel Correia e José Pinto Lima, sacristão (por causa dor negros rebeldes que cercavão, como me disserão nos matos visinhos) estavão promptos a executar as minhas ordens: quando já estava-se fechando as portas, apresentou-se em minha caza o Sr. professor Manoel Pinto d’Alvarenga Roza e dissuadio-me da minha firme resolução e a conselhou-me de não fechal-as, dizendo que assim fazendo éra o mesmo que fazer vêr aos rebeldes, que os brancos do Queimado érão cobardes, e que os negros nesta occasião tomarião mais coragem e vantagem em sua revolta á esta representação, eu, homem sem experiencia e sem malicia, cedi á sua instancia as fiz deixal-as abertas, pensando que este homem me a concelhasse por puro zelo, por isso é que celebrei a missa, que deixei no meio por mêdo de ficar victima dos rebeldes.
Porem eu confio deste Deos escondido debaixo dos véos Sacramentaes que ha de defender a minha innocencia, e confundir os meios aleivósos inimigos. Deos lhos peròde, e use com elles misericordia.
Fr. Gregorio José Maria de Bene.
Nova freguezia de S. José do Queimado”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 41, 06/06/1849 – P. 03:
“Reuniu-se no dia 31 do mez passado no paço da camara municipal desta capital o jury extraordinario, convocado para julgar o processo instaurado contra os escravos, que se insurgirão na freguezia do Queimado no dia 19 de março preterito e tendo-se conservado em sessão permanente até o dia 2 do corrente ás 10 horas da manhã, sentenciou cinco á pena ultima, como cabeças, vinte cinco á açoutes e seis forão absolvidos. Faltarão ser julgados quatro que ainda permanecem foragidos, e que, como os que já forão julgados, forão pronunciados incursos no art. 113 do codigo penal.”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 03, 09/01/1850 – P. 01:
“- Ao juiz municipal desta cidade participando que forão expedidas as necessarias ordens sobre o que solicita no seu officio desta data, relativamente a um dos cabeças da insurreição que teve lugar no Queimado, e que deve ser alli executado no dia 8 do corrente.
- Ao delegado da villa da Serra para que faça seguir para o Queimado a disposição do alferes da companhia de pedestres João Antonio da Silva as cinco praças da mesma companhia que ahi existem, e que os cidadãos aos quaes se entregarão as dez armas da qui remettidas, a fim de assistirem a execução de um dos cabeças da insurreição a qual deve alli ter lugar no dia 8 do corrente as 6 horas da manhã.
- Ao conego vigario da vara d’esta cidade para que providencie a fim de que os dois frades franciscanos existentes n’esta capital, e villa do Espirito Santo acompanhem um dos cabeças da insurreição que teve lugar na freguezia do Queimado, e que deve ser alli executado no dia 8 do corrente as 6 horas da manhã, a fim de prestar-lhes os socorros de nossa religião, devendo ambos entenderem-se com o juiz municipal a respeito da hora em que tem de partir d’esta cidade.”
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 03, 09/01/1850 – P. 04:
“POST SCRIPTUM
Hontem as 10 horas da manhã teve lugar na freguezia do Queimado a execução de um dos cabeças da insurreição que alli apareceu em 19 de março do anno passado. Consta-nos que o executado mostrou a maior presença de espírito. O outro que resta tem de seguir hoje para a villa da Serra a fim de ser igualmente executado. Temos razões para acreditar que os trez que se evadirão da cadêa desta cidade não ficarão impunis por que o Exm. Sr. presidente da província, de acordo como Sr. Dr. Chefe de policia ha expedido as necessarias providencias para a sua captura.”
Na explicação do Arquivo Público ao pé da página consta que a execução ocorreu por enforcamento.
Do CORREIO DA VICTORIA, Nº 05, 16/01/1850 – P. 04:
“No dia 11 do corrente foi executado na villa da Serra o ultimo cabeça da insurreição do Queimado, que exestia na cadeia desta cidade, e que para alli seguiu no anterior.
A respeito dos tres, que se evadirão, nada consta, no entanto que o Exm. Sr. presidente da provincia não se discuida de continuar nas diligencias de fasel-os capturar. Espalha-se que os proprios Srs. lhes dão agasalho; nós jamais accreditaremos em semelhante noticia, pois que concedemos a esses individuos muito senso para não verem que um tal procedimento é um attentado contra a lei e segurança, sua e de seus concidadãos.”