Na condição de participante e coordenadora regional do Programa de Escolas Associadas da Unesco no Espírito Santo (Rede PEA/UNESCO), o Da Vinci está capitaneando um processo pioneiro de intercâmbio intermunicipal, envolvendo escolas da rede pública municipal de Santa Teresa, também integradas ou com propostas de integração à Rede PEA, quais sejam: "Escola de 1º e 2º Graus Antonio Valesini", localizada no Distrito de Santo Antonio do Canaã; "Escola Municipal de 1º e 2º Graus Sebastião José Pivetta", localizada no Distrito de Várzea Alegre; "Ginásio Santa Catarina", localizada na sede do Município de Santa Teresa.
Primeiros encontros: representantes das escolas "Sebastião José Pivetta" (Várzea Alegre) e "Antônio Valesini" (Santo Antônio do Canaã), Secretária de Educação da Prefeitura de Santa Teresa e representantes do Da Vinci.
Após a manutenção de contatos entre todas as instituições de ensino, apoiados pela Secretaria Municipal de Educação, e o desenvolvimento das linhas-mestras de atuação para os intercambistas, ficou combinado que, em um primeiro momento (junho/2003), o Da Vinci enviaria nove alunos (3 de cada série - A,B,I, desde a 5ª até a 7ª) para participarem do processo, ao passo que, em outubro, os alunos que os acolheram nas respectivas comunidades passariam a ser intercambistas em Vitória, freqüentando o Da Vinci e ficando hospedados nas casas dos "nossos" alunos.
representantes do Da Vinci e da escola Sebastião José Pivetta, com a Secretária Municipal de Educação
representantes do Da Vinci e do Ginásio Santa Catarina, com a Secretária Municipal de Educação
Após disseminação do projeto no interior da escola, abriram-se as inscrições para todos os grupos-classe contemplados pelo projeto, havendo primeiramente adesão do aluno, que só seria acolhida se houvesse referendo por parte das famílias.
Maria Helena, Diretora do Da Vinci, apresenta a proposta aos alunos...
... que se entusiasmam perante as perspectivas da "vida no interior".
Feita essa "filtragem", houve sorteio entre todos os interessados, uma vez que, após manter entrevistas em pequenos grupos, a escola entendeu que, consideradas as singularidades de cada participante, todos teriam condições de se integrarem ao projeto, alguns por demonstrarem um perfil de integração e iniciativa para a convivência, outros para se aprimorarem em termos de procedimentos e atitudes. Após a primeira seleção, uma aluna da 5ª "B" desistiu de participar, sendo sorteada uma nova participante, dentre as 5ª A e I, já que na 5ªB somente a aluna desistente havia se inscrito.
A equipe de intercambistas Da Vinci ficou assim composta:
5ª A - Tayana Agostinho Ayub
5ª I - Luiza Tavares de Lacerda e Cindy White Loureiro Souza
6ª A - Jasmin Druffner
6ª B - Carla Cristina Abreu Rios do Amaral
6ª I - Caio Chiqueto
7ª A - João Victor Scardini Moreira
7ª B - Ricardo Rigão Mallaco
7ª I - Iuri Mori Vieira
Após selecionados, pelas escolas municipais de Santa Teresa, todos os alunos que receberiam os "nossos" intercambistas e fornecidos ao Da Vinci dados sobre constituição familiar, endereço e telefone da residência que os acolheria, os coordenadores pedagógicos da iniciativa propiciaram aos alunos intercambistas um processo de preparação individualizada, havendo dois encontros intensivos para a finalidade: em 24 e 31/05/2003.
Maria Helena em reunião com alunos
O primeiro encontro mantido com os alunos mostrou um grupo interessado e envolvido, consciente das facilidades e dificuldades inerentes à experiência, aptos a usufruir a vivência e a lidar com situações inesperadas e a superar desafios. No momento inicial, pediu-se que os intercambistas relatassem alguma experiência de viagem que os havia marcado, surpreendendo a freqüência com que se referiram a vivências no interior do Estado, pela "liberdade" que sentem em contextos diferentes dos grandes centros urbanos. Intuitivamente, os alunos mostraram percepções em três perspectivas: a oportunidade de viajar para viver a vida do lugar; a oportunidade de viajar para conhecer culturas (tradições, hábitos, costumes, histórias, "jeitos de ser") e a oportunidade de viajar para praticar o olhar observador, descobrindo as artes do "contemplar" e "observar", aprendendo a fazer registros em forma de relatos de diário, desenhos ou fotografias.Logo em seguida, os coordenadores pedagógicos do projeto também fizeram o mesmo e revelaram algumas impressões de viagem, demonstrando perspectivas diferentes de pensamento e atuação. A iniciativa de inserir alunos e educadores numa rede de relações interpessoais e de aprendizagem, em que não há vínculos de poder e sim um compromisso pessoal com o envolvimento, revelou-se mais enriquecedora que muitos contextos "formais" de sala de aula.
Preparação: as discussões entre grupos
No segundo momento, a partir de contato com textos literários e antropológicos, os alunos tiveram acesso a situações reais ou fictícias de convivência entre diferentes (pessoas e cenários), com os ganhos e dilemas que isso propicia, ampliando sua visão em torno da palavra "cultura", infelizmente ainda carregada de conotações equivocadas, como as de superioridade ou excelência. Os alunos deveriam fazer uma síntese da história/texto que receberam, relacionando-os com a experiência do intercâmbio, tirando proveito da competência leitora para projetar comportamentos e traçar desafios. À medida que faziam suas explanações para os coordenadores pedagógicos, eram levados a refletir sobre a grandeza da convivialidade, mas também sobre os preconceitos e estereótipos mantidos no contato entre comunidades diferentes. Aos interessados em conhecer tais abordagens, segue a bibliografia utilizada como referencial:
Romeu e Julieta, de Ruth Rocha, com ilustrações de Cláudio Martins (análise e explanação a cargo das alunas da 5ª série); A floresta e o estrangeiro (poema de Alberto Martins, a partir de aquarelas e quadros de Lasar Segall), com projeto gráfico de Hélio de Almeida (análise e explanação dos alunos de 6ª série); Fragmento da obra O homem: uma introdução à antropologia, de Ralph Linton (São Paulo: Martins Fontes, 1968) (análise e explanação dos alunos de 7ª série); Um fotógrafo diferente chamado Debret, de Mércia M. Leitão e Neida Duarte (análise e explanação dos coordenadores da iniciativa).
É iniciada a organização...
Ao longo dessa etapa de preparação, ficou claro, para os intercambistas, que deveriam estar mais propensos a integrarem-se ao cotidiano da escola e da comunidade e praticar o olhar observador, procurando os melhores ângulos de observação, em vez de estarem preocupados em oferecer algo ou mostrar suas potencialidades. As competências esperadas: mais que o saber falar, o saber ouvir; mais que o receber, o observar. Isso significou uma mudança de perspectiva no projeto, uma vez que nossa intenção inicial era preparar os alunos para repetirem alguma experiência pedagógica significativa para eles no contexto da escola/comunidade à qual se integrariam, mas, ao longo do percurso, percebemos que isso implicaria no risco de levá-los a ficar mais centrados em si mesmos que no outro, ficando desatentos para as nuances da experiência e a observação das pessoas e do entorno, que afinal constituem o grande trunfo do processo.
Atentos, imaginam a "vida no interior"
O fechamento do primeiro encontro deu-se com uma "tarefa de casa" para os alunos: praticarem o olhar observador no contexto da escola, já que "em qualquer lugar há coisas para se ver". Receberam também um roteiro com dicas de observação para usar como balizadores de seus procedimentos e atitudes, no período do intercâmbio.
No segundo encontro, realizado em 31/05/2003, iniciamos o contato com os alunos fazendo uma preleção sobre o encontro anterior e pedindo-lhes que nos oferecessem os produtos de suas observações atentas em relação ao cotidiano escolar. Para nossa surpresa, todos os enfoques apresentados ora enfatizaram características do ambiente físico, ora assumiram conotação "negativa", revelando uma tendência de observar mais o que há de ruim, em vez de usufruir o que há de positivo no cotidiano e de construir percepções que antes lhes tivessem passado despercebidas. Eis uma síntese das explanações dos intercambistas:
O tratamento dos alunos para com os funcionários da escola precisa ser aprimorado. Alguns deles, quando recebem o lanche, não agradecem; as atitudes dos alunos, no início de cada dia letivo, deixam muito a desejar, pois, no geral, perdem-se em "conversas" e "brincadeiras", deixando para a última hora a organização de materiais e a preparação para as aulas; quando a Direção Pedagógica mantém contatos com os grupos-classe, os alunos adotam "posturas" de disfarce;
No momento de entrega da carteirinha, no final do dia letivo, os alunos atropelam-se uns aos outros para retirar seu material de identificação.Quantos "detalhes" do ambiente físico passam despercebidos para os alunos: a lousa "quadriculada", o logotipo da escola em materiais de uso cotidiano; a troca do piso da calçada em frente à escola; a existência de "garrafas de água" para atrair os beija-flores. Durante os horários de lazer, há muitos funcionários e educadores observando os alunos, pois alguns insistem em adotar procedimentos inadequados, como o uso do celular; nos momentos de recreio, os alunos mais velhos não consideram muito os direitos dos alunos mais novos, às vezes aplicando sobre eles tratamento desrespeitoso;
A postura dos ambientes no entorno da escola, em relação ao uso de balas, chicletes e alimentação, não condiz com a proposta alimentar desenvolvida pelo Da Vinci;
Preparação: aunos "confabulam"
Após ouvir os alunos, os coordenadores pedagógicos manifestaram sua preocupação em que a experiência de intercâmbio tomasse o rumo da perspectiva crítica, a exemplo do que aconteceu na escola, perdendo-se a oportunidade do viver para conhecer, do aprender a ouvir, do mesclar olhares diferentes sobre um mesmo objeto. Gerou-se também uma reflexão no grupo: será que, no Da Vinci, mesmo com uma predominância de aspectos favoráveis sobre desfavoráveis, vivemos, tanto educadores quanto educandos, o hábito de enaltecer o negativo? Apenas uma intercambista preocupou-se em conversar com os funcionários administrativos a respeito de seu estilo de trabalho no Da Vinci, observando que a escola oferece horários especiais de lanches para esse contingente de pessoal, para que possam estar disponíveis, no recreio, para atender aos nossos alunos. A maioria deixou de captar ângulos de observação mais significativos que o enfoque puramente crítico, como a história de vida de educadores/educandos; os jeitos de ser de alguns personagens cotidianos da escola (e também do seu entorno: vendedores ambulantes; condutores de veículos de transporte de alunos). Os alunos em processo de formação disseram ter "aprendido a lição" e que estariam atentos para, durante o intercâmbio, não perderem a veia crítica, que é importante, mas estarem igualmente "antenados" para a necessidade de valorizar as pessoas e situações com as quais conviverem, enaltecendo também as belezas e singularidades do cotidiano.
Num segundo momento, a escola propôs aos alunos que, além de suas observações cotidianas e dos registros no "Diário de Bordo", cada intercambista atuasse como uma espécie de mini-repórter em ação, escolhendo um foco de pesquisa, com o propósito de, ao final da experiência, o Da Vinci dispor de material para editar uma coletânea das produções culturais geradas pelo intercâmbio. Apesar de a escola manter uma lista de temas ("cartas na manga") previamente discutidos pelos educadores envolvidos, deixou que os próprios alunos manifestassem suas áreas de interesse, só propondo alguma linha de pensamento para os intercambistas que não conseguissem visualizar uma perspectiva de atuação. Desta forma, após uma inter-ação no grupo e algumas "negociações" de acordo com afinidades/potencialidades e limitações de cada intercambista, chegou-se à seguinte listagem de temas, visando à produção de pequenas reportagens ou textos de opinião:
A influência de diversas etnias na formação cultural da localidade visitada (Carla Cristina).
As vivências culturais (esportivas e artísticas) da juventude local (Iuri).
O "jeito de ser" da infância na comunidade visitada: brincadeiras, venturas/frustrações; sonhos/desejos (Luíza Lacerda).
A vida de pessoas na Terceira Idade: a questão da longevidade; a incidência de doenças; as opções de lazer, o envolvimento em projetos comunitários (Tayana).
A situação do "menor trabalhador" no contexto da comunidade (Jasmin).
A questão religiosa na localidade: concentração ou diversificação? (João Victor).
A escola participante do programa de intercâmbio (Ginásio Santa Catarina): suas histórias, seus personagens, suas singularidades, pontos fortes e fracos (Cindy).
Vínculos entre escola e comunidade: projetos educativos que ultrapassam o muros da escola (Caio).
A percepção do uso da linguagem por pessoas da comunidade (Ricardo).
Obs.: Ficou claro, para todos os intercambistas, que, apesar desta indicação da Escola, poderiam descobrir um novo "foco" que os envolvesse ainda mais, podendo assim exercer direito de escolha na seleção de materiais e procedimentos de pesquisa.
Houve um estímulo também para que os intercambistas aproveitassem os tantos conteúdos estudados nas disciplinas específicas e tentassem aproveitá-los em suas vivências e registros durante o intercâmbio, não desperdiçando a oportunidade de dar significação a seus conhecimentos prévios, aproveitando-os para produzir ensaios de pensamento e testar a interligação entre o que aprendem na teoria e o que as pessoas/comunidades vivenciam na prática.
Os alunos foram bastante preparados também para a necessidade de se portarem de modo adequado, em termos de gestual, vestimentas e linguajar, de acordo com a comunidade/família em que se estivessem inseridos. A escola criou uma camisa-símbolo para o intercâmbio, sustou o uso de celular e orientou os alunos para evitarem "pompa" no vestir-se e estarem atentos para se integrarem, não para sobressaírem. São cuidados necessários para que o intercâmbio seja uma oportunidade de aprimoramento pessoal, e não uma vivência a mais - sem repercussão na formação integral do sujeito.
Preparação: refletindo sobre as diferentes culturas
Foram oito horas de trabalho, em que os alunos estiveram envolvidos e felizes. Agora, é dar-lhes a oportunidade de vivenciar a experiência, cada um à sua maneira, para depois atuarem como socializadores e estimuladores à participação de outros colegas. A contar pelo êxito na preparação, a primeira experiência de intercâmbio intermunicipal da Rede PEA já rendeu muitos frutos e aprendizagens, demonstrando aos alunos que a construção do conhecimento, quando aliada à sensibilização e ao envolvimento, é muito mais saborosa.