Na semana de 04 a 11/10/2003, foi vivenciada a segunda etapa do programa de intercâmbio intermunicipal envolvendo o Da Vinci e mais três escolas do município de Santa Teresa - Ginásio Santa Catarina; E.M.P.G. Sebastião José Pivetta; Escola de 1º e 2º Graus Antônio Valesini - , as duas últimas localizadas em zona rural e integradas ao Programa de Escolas Associadas da UNESCO. O ponto alto dessa etapa consistiu na vinda de nove alunos dessas instituições para freqüentarem o Da Vinci durante o turno em que seus colegas o fizessem (semi ou integral), ficando hospedados nas residências dos alunos que participaram da primeira etapa, exceção feita para apenas uma nova participante. Eis a relação dos intercambistas da segunda etapa:
No Da Vinci, cuidamos de preparar os alunos de cada grupo-classe que receberia os intercambistas da 2ª etapa para colaborarem com o êxito da iniciativa e aproveitarem a oportunidade para refletir sobre as relações interpessoais no contexto escolar/familiar. Assim foi que, no dia 22/09/2003, os oito intercambistas do Da Vinci proferiram uma palestra/relato de experiência e responderam a questionamentos dos colegas de sala a respeito de suas vivências na 1ª etapa.
Os expositores foram verdadeiros em suas argumentações, mostrando os pontos favoráveis e desfavoráveis do projeto; as impressões que experimentaram ao conviver em realidades socioculturais distintas, discorrendo sobre semelhanças e diferenças observadas na integração familiar, escolar e social em cada comunidade; as dificuldades para realização de algumas das pesquisas propostas pelo Da Vinci (ora pela postura dos próprios intercambistas na atuação como pesquisadores e observadores da realidade; ora pela falta de dados/percepções das pessoas consultadas; ora pela visão inadequada de que a existência de projetos teóricos, nas escolas de destino, já seria bastante para assegurar sua aplicação prática e repercussão na comunidade). Nesta oportunidade, foram apresentados aos colegas exemplares dos diários de bordo tecidos por todos os intercambistas - alguns mais consistentes em termos de linguagem, análise e argumentação; outros mais restritos, por se terem limitado à descrição das vivências diárias - e as reportagens de campo, concluídas por seis deles, material que ainda carece de análise para efeito da melhor estratégia para socialização .
Um aspecto interessante, observado na abordagem dos alunos, foi a pequena presença de recursos tecnológicos ou de recursos didáticos de apoio, fazendo-se opção pelo contato “face a face” e pela interação com os espectadores. Dentre as tantas percepções apresentadas nos relatos, o que mais se enfatizou foi a oportunidade que tiveram de vivenciar uma maior liberdade de ir-e-vir (andando a pé, de bicicleta ou de ônibus de transporte) e a maior tranqüilidade em termos de segurança, bem como a consideração mantida pelos alunos de regiões interioranas em relação aos professores. Houve unanimidade, por parte dos intercambistas, em relação à avaliação da experiência, com todos eles mostrando-se dispostos a repetir a dose e indicando a vivência para os colegas; e fazendo um pedido genérico no sentido de que cada grupo-classe colaborasse na receptividade aos intercambistas do interior, para evitar exclusão ou preconceito para com o diferente.
A oportunidade de partilha serviu para que o Da Vinci fizesse uma apreciação do senso analítico e nível de oralidade dos alunos intercambistas, percebendo-se alguns com bom potencial para atuar como disseminadores da experiência e outros com algumas limitações a serem superadas, como por exemplo a economia argumentativa, a dificuldade de se expor em público e a falta de habilidade para valorizar experiências singulares.
Na semana seguinte, os grupos-classe foram reunidos pela segunda vez, desta feita para serem trabalhados por iniciativa da escola. Inicialmente, foi propiciado um momento de concentração, com os alunos sendo convidados a imaginarem situações simbólicas de desafios a fim de associá-las com a recepção de um “ser estranho” num grupo já integrado. Em seguida, a escola projetou o vídeo intitulado A guerra do arco-íris - elaborado pela empresa paulista SIAMAR, especializada em treinamento empresarial -, bastante representativo por mostrar, simbolicamente, as dificuldades de acolhimento para com o diferente, a partir da disputa entre três reinos (azul, vermelho e amarelo) que, após se congregarem, descobrem outras perspectivas, com o surgimento de novas combinações de cores, permitindo múltiplas ressignificações da realidade antes limitada.
O interessante deste curta era demonstrar que “A união faz a força” (como propõe o velho adágio), mas que não elimina as vaidades/resistências individuais e as dificuldades de alguns em abrir mão do individual para aprimorar o coletivo. Como fechamento desta etapa, um pedido geral da escola para que o intercâmbio servisse para que cada grupo-classe reavaliasse sua postura coletiva e capacidade de integração, valendo-se da recepção de um novo colega para fazer uma leitura crítica das relações interpessoais no contexto de cada grupo-classe. Sem a ilusão do acolhimento por igual, encerrou-se essa etapa com a convicção de haver conseguido sensibilizar muitos alunos para a importância e ampliação da iniciativa do intercâmbio, muito mais por seu seu aspecto humanitário/relacional (o “aprender a ser” e o “aprender a conviver”) do que pelo foco acadêmico (o “aprender a conhecer”).
No sábado (dia 04/10/2003), o Da Vinci preparou uma recepção para os intercambistas e representantes das escolas/Secretaria Municipal de Educação de Santa Teresa. Uma faixa preparada para os intercambistas saudava-os pela chegada e enfatizava a oportunidade que teriam de aprender e ensinar ao mesmo tempo. Os recém-chegados encontraram a escola em festa, com presença maciça de alunos e pais por conta da realização dos Jogos da Primavera do Ensino Fundamental I, o que, apesar de criar uma desestabilização inicial, serviu para mostrar o envolvimento dos pais em alguns contextos escolares, em especial com as séries iniciais.
Vinícius recebe os intercambistas com música
Em seguida, após um “sarau” oferecido pelo aluno do Centro Musical Da Vinci, Vinícius Broseghini Pinto (6ª I), foi realizado um churrasco na piscina, com cardápio de acordo com o programa alimentar da escola e música ambiente, estimulando-se os talentos locais a “soltarem a voz nas estradas”.
O mau-tempo (chuva ininterrupta) não arrefeceu os ânimos das pessoas, que criaram um ambiente de descontração e integração. Destaque para o congraçamento entre os alunos intercambistas (os daqui e os de lá), que deram mostras de boas aprendizagens atitudinais e comportamentais, comprovando o acerto da iniciativa de oportunizar dois momentos de intercâmbio envolvendo a mesma dupla, porque serve para o estreitamento de relações mais duradouras. A mãe de uma aluna fez uma saudação aos intercambistas e depois franqueou-se a palavra a qualquer um dos presentes, que preferiram expressar-se na forma de atitudes e movimentos de integração.
A escola, previamente, havia enviado uma circular a todas as famílias que acolheriam os intercambistas para estimulá-las a realizar roteiros culturais com eles, incentivando-as a valorizarem as singularidades locais (museus e escolas experimentais; parques municipais temáticos; pontos turísticos; espaços de preservação ambiental).
Durante a semana, os alunos vivenciaram a realidade do Da Vinci, integrando-se à comunidade educativa em seu fluxo diário, repleto de rotinas e flexibilizações. Todos eles compromissados no sentido de fazer seus diários de bordo e realizarem seus registros fotográficos, com os intercambistas da EPMG Sebastião José Pivetta trazendo focos para pesquisa (os resultados da 1ª etapa do intercâmbio intermunicipal em termos de produção cultural; os trabalhos com a leitura no âmbito do Da Vinci; o sistema de regras da escola e sua consideração pelos alunos) e recebendo orientações específicas nesse sentido, ora por iniciativa da instituição, ora por iniciativa de professores consultados.
No geral, os intercambistas foram bem acolhidos e incentivados a contribuírem com as aulas e atividades, havendo algumas dificuldades localizadas de integração em alguns grupos-classe e algumas diferenças significativas em termos de conteúdos escolares, o que acabou refletindo no atitudinal de alguns intercambistas. Tiveram acesso a diversos ambientes educativos – ora como parte das atividades de sala de aula, ora por iniciativa dos colegas que os recebiam - , trabalhando com alguns recursos dos quais não dispõem em suas escolas de origem. Recebemos retornos, por parte deles, no sentido de que o programa alimentar da escola é muito válido, com apreciação dos cardápios oferecidos (lanches especiais e almoços previamente definidos no Plano Diretor) e não sentindo falta das guloseimas geralmente oferecidas pelas cantinas.
Os professores do Da Vinci foram convidados a sistematizar suas percepções em torno do conceitual/procedimental/atitudinal dos alunos intercambistas, tendo apresentado percepções realistas, dentre as quais se podem destacar:
a) no início da vivência, talvez até pelo sabor da novidade, alguns grupos-classe tenderam a chamar atenção, em vez do objetivo maior de acolher;
b)no geral, houve grande entrosamento entre os irmãos intercambistas, mas o relacionamento dos recém-chegados com o restante dos grupos-classe não foi tão intenso, em especial, segundo alguns professores, nas sétimas séries, ao que os alunos do Da Vinci que acolheram os intercambistas contra-argumentam que deixaram os recém-chegados exercer a autonomia na busca da melhor forma de relação/integração;
c) mesmo não havendo, na maior parte das disciplinas, coincidência de conteúdos em relação aos de suas respectivas escolas, houve um comportamento praticamente homogêneo por parte dos intercambistas, demonstrando interesse em assimilar as matérias ministradas e realizar as atividades;
d) a maior parte dos alunos intercambistas mostrou-se tímida, porém, quando incentivados pelos professores, correspondiam bem, com alguns fazendo referências aos trabalhos realizados nas escolas de origem e apresentando pontos de vista a respeito de temas e abordagens;
e) alguns professores destacaram a atuação das alunas de 5ª série na recepção aos intercambistas, com ênfase para a iniciativa delas no sentido de auxiliarem seus pares na superação de dificuldades por causa da heterogeneização de conteúdos curriculares;
f) no caso de línguas, apesar de enfrentarem dificuldades com o conteúdo específico e a diferença na abordagem do ensino de língua, por parte do Da Vinci, além de manterem contato com idiomas totalmente novas para eles (Espanhol, Italiano e Francês), os intercambistas tentaram interagir e participar das atividades propostas, respeitadas obviamente as diferenças individuais em termos de atitudes.
Sob o olhar da instituição, a semana transcorreu sem atropelos, observando-se que a maior parte dos intercambistas estava bem posicionada entre nós, sendo que os incorporados ao Integral mostravam-se exaustos, devido a uma sobrecarga de atribuições a que não estão freqüentemente expostos. Alguns alunos, por sua própria iniciativa, procuravam a Direção da Escola para pedir orientações e tempo para elaborar registros nos diários de bordo. Tivemos notícia de que alunos da 7ª série estiveram presentes na peça “Xeque Mate”, a quarta apresentação do Festival de Teatro realizado com os 2ºs anos da escola, o que mostra preocupação dos colegas que os receberam em socializar o enfoque cultural do currículo do Da Vinci.
Não recebemos reclamações formais de qualquer deles quanto a problemas de relacionamento ou acolhida, o que nos faz inferir, diante da posição externada por alguns professores a respeito de dificuldades localizadas de integração, que preferem administrar individualmente questões de relacionamento nos grupos-classe. Já era esperado que as diferenças socioculturais entre os alunos e as atitudes dos mais introspectivos criassem algumas dificuldades localizadas, o que pôde ser superado pela intervenção dos professores. Ficou visível que os alunos de 5ª série são mais propensos a demonstrar afetividade com os recém-chegados, enquanto que os da 7ª série preferem que exerçam maior autonomia na relação. A Direção Pedagógica lamentou não poder dispensar maior atenção individual a cada intercambista devido à sobrecarga de atribuições e compromissos de agenda durante uma semana, mas o interesse maior não estava no contato deles com a instituição, e sim com seus pares e professores. Sob essa perspectiva, a experiência mostrou-se bem-sucedida, revelando o universo real das relações humanas, com seus pontos positivos e conflitos naturais, inclusive de adaptação.
Finalização do intercâmbio
O encerramento da 2ª etapa foi realizado no dia 11/10/2003 com um café da manhã de despedida, durante o qual a escola presenteou cada intercambista com um porta-retrato contendo uma fotografia dele no meio do grupo-classe ao qual se inseriu. Falas de representantes da escola, da família e uma partilha de impressões entre os intercambistas deram o tom da vivência. Alguns pedidos de ampliação do prazo da experiência de intercâmbio pareceram-nos mais afetivos que refletidos, porque não consideram as limitações de alunos do Ensino Fundamental para superar as dificuldades de afastamento mais longo de suas famílias.
Ao que pudemos apurar com as famílias que acolheram os intercambistas, todos se dispuseram a acatar as sugestões da escola no sentido de propiciar momentos socioculturais para eles, com alguns pais/mães alegando que a experiência serviu para que conhecessem singularidades da Capital em termos de perspectiva cultural. A convivência familiar mostrou-se harmônica e as manifestações de afetividade foram recorrentes, tanto que, durante os nove dias de duração do programa, não recebemos qualquer reclamação formal acerca de dificuldades de relacionamento. É provável que os alunos do interior tenham se ressentido um pouco do fato de os pais/mães urbanos não permanecerem em casa durante o dia, deixando a cargo de terceiros a condução da vida doméstica, mas essa é a realidade das grandes cidades e é preciso conviver com seus pontos fortes/desfavoráveis com racionalidade.
Agora, caberá aos intercambistas fazer registros desta rica semana em seus contextos de origem, evidenciando seus ganhos e dificuldades, para que o ciclo se feche (ou se abra para repetição ou aprimoramento da vivência). Dar voz aos intercambistas é a melhor oportunidade de não limitar a avaliação da experiência às percepções da escola.