Como parte do planejamento inerente às disciplinas diversificadas, consta o contato dos alunos com agentes externos - especialistas, pesquisadores ou curiosos sobre os focos explorados em cada projeto -, de modo a ampliar o repertório dos participantes pelo acesso a outras visões, fontes de pesquisa e leituras, além das organizadas pelo professor mediador da disciplina e das trazidas por iniciativa dos alunos.
Um dos pontos fortes da disciplina diversificada “Sexualidade: fatos e mitos” consiste na vinda do sexólogo Carlos Boechat, profissional de renome na área, com larga experiência na abordagem do tema em consultório, palestras e atividades de formação em diferentes contextos. Além disso, é co-autor do livro intitulado “Sexo sem segredos”, adotado como referencial de estudo para os participantes e utilizado como base de prova contextualizada para aferição de conhecimentos e demonstração de percepções sobre a sexualidade, em diferentes dimensões.
O encontro realizado em 2009 foi iniciado com um debate em torno das relações entre sexo e amor, bem demonstrada na letra da música de autoria de Arnaldo Jabor e entoada por Rita Lee e captada pelos alunos sob as perspectivas histórica, cultural, religiosa, ideológica e midiática. Em seguida, o convidado discorreu sobre sua experiência no trabalho com adolescentes, o que resultou na concepção da obra “Sexo sem segredo”, a qual aborda questões de interesse da faixa etária que mais transparecem nas pesquisas e encontros presenciais realizados com esse público-alvo.
A organização do espaço
favoreceu a interlocução entre agente externo e alunos participantes.
Na sequência dos trabalhos, Boechat solicitou a participação de voluntários numa espécie de “confronto entre sexos”, em que alguns representantes de cada gênero apresentariam para os do outro suas percepções, dúvidas e inquietações em relação ao comportamento do sexo oposto, acolhendo as resistências e contrapartidas trazidas entre si e pelos demais participantes. A dinâmica consistiu numa fusão entre oratória e escutatória poucas vezes vivenciada na escola e na vida.
O momento foi marcado pela coragem dos alunos em expor questões que às vezes ficam adormecidas em seus íntimos e consistem ora na confimação de mitos, tabus e preconceitos alimentados pelo entorno em que se inserem; ora na quebra de resistências e na tentativa de acolhida em relação às apreciações e críticas trazidas pelo gênero oposto.
Ao final do encontro, Boechat exibiu vídeos educativos abordando a necessidade de conhecimento do próprio corpo pelos adolescentes, bem como questões socioculturais envolvendo a sexualidade, tudo com uma interlocução com os participantes para apresentação de visões pessoais e elucidação de dúvidas. Sugeriu ainda que as abordagens trazidas em “Sexo sem segredo” sirvam para estudos em grupo, a fim de instigar troca de aprendizagens, dúvidas e curiosidades, de forma que o livro sirva não apenas para reprodução do conhecimento, mas também para ampliação de visões e estabelecimento de relações com outros objetos de estudo.
Carlos Boechat em ação na
mediação do “confronto entre os sexos”.
Trabalhando com os alunos a importância de utilizar o registro escrito para socializar conhecimentos e percepções a partir do contato com agentes externos, o professor colheu pareceres significativos, que muito podem significar para o adulto em matéria de compreensão no tocante aos fatos e mitos que rondam a sexualidade juvenil.
“Durante a conversa/palestra ministrada por Carlos Boechat, um dos pontos que tiveram grande repercussão foi a ditadura do sexo e a forma como a primeira vez é tratada por cada um dos gêneros. Nada melhor do que contrapor as opiniões masculina e feminina quando o assunto é justamente essa divergência entre os sexos. Enquanto as mulheres têm um pouco de receio de falar sobre e, principalmente, consumar a tão comentada “primeira vez”, os homens a tratam como um objetivo cuja realização deve ser rápida. Uma grande maioria de pessoas do sexo feminino acreditam que seriam tachadas como atiradas se tivessem sua primeira relação aos 15, 16 anos. O sexo masculino, ao contrário, acha que seria tido como “bichinha” se demorasse muito tempo para perder a virgindade. Não se sabe, entretanto, quanto tempo levará para que essas diferenças tomem uma proporção menor, mas o certo é que elas sempre irão existir.” (Camila Rodrigues Cordeiro)
“De acordo com o contato com o sexólogo e conhecimentos prévios sobre nós mesmos, ficou explícito que os homens têm uma facilidade para tratar de sua sexualidade que a mulher não tem. Talvez isso ocorra devido à repressão que a mulher tanto sofreu durante séculos e possa ter deixado seqüelas que estão impregnadas no subconsciente feminino. Isso transmite um alerta a toda vez que as mulheres tentam lidar com sua sexualidade de forma aberta, racional. Esse alerta seria como um aviso que diz que, se ela explorar a si mesma e conhecer-se sexualmente, poderá ser vista como biscate ou pervertida. No tocante à questão, o homem tem uma liberdade e incentivo social muito maior que as mulheres e por isso desenvolve um maior conhecimento sobre seu corpo de vontades sexuais, ao passo que as mulheres preferem relacionar temas sexuais com emoções, para ser mais exato com amor.” (David Diogo Haddad)
“Carlos Boechat se expressou com bastante eficiência quando o assunto em questão foi a masturbação, citando as barreiras e preconceitos que cada um tem ao tocar o próprio corpo. A partir dos inúmeros depoimentos colhidos, foram perceptíveis os divergentes pontos de vista entre homens e mulheres, principalmente na questão de que o ato violaria a consciência e a integridade do sexo feminino. Outro forte quesito da discussão foi a opinião do sexólogo de que a masturbação serviria como fonte de autoconhecimento, fazendo com que cada um conhecesse seus prazeres, vontades, receios, dentre outros sentimentos que o ato seria capaz de proporcionar (de maneiras diferentes) a cada um. Carlos afirmou que nada mais lúcido do que nos conhecer antes de conhecer o próximo, pois desse modo estaríamos valorizando a pessoa que mais amamos. Eis uma fala expressiva do sexólogo sob esse aspecto: “A masturbação consiste no ato de cada indivíduo fazer amor com a pessoa que mais se ama”. (Lucas Magalhães Ramos)
“Quando se trata de sexualidade, um assunto tão delicado, cada sexo tem sua opinião. As mulheres, mais românticas, acham que é preciso ter amor antes da primeira transa e precisam estar confiantes quanto a seu parceiro; por isso são cautelosas e escolhem bem quem vai partilhar com elas esse momento marcante na vida de qualquer mulher. Além disso, mesmo quando sabemos que o namoro não é tão sério, às vezes nos pegamos imaginando mil planos e fazendo sonhos de como seria. Já para o sexo oposto, o mais importante é “pegar” o máximo de mulheres possível, sexo por amor ou apenas por desejo; e é por isso mesmo que eles são mais “realistas” e aproveitam o tempo quando estão com a menina, sem ficar sonhando. Outras divergências entre masculino e feminino são que, para a mulher, masturbação é assunto velado; já para os homens é super natural e um assunto “rotineiro”. Existe uma frase popular que resume bem como eles são opostos: “para a mulher trair, tem que ter amor; já para o homem, basta uma chance”. (Letícia Lagares Lorenzoni)
“Confronto entre sexos”:
aprender a falar e a escutar, para ampliar o potencial de reflexão.
Ao final do encontro, Boechat afirmou para os alunos a importância de continuarem as discussões sobre os temas (entre si, com seus amigos e familiares ou outras pessoas de seu círculo de relações), pois isso os auxiliará a esclarecer muitos pontos polêmicos/obscuros e a disseminar atitudes de maior respeito em relação às diferentes formas de se lidar com a sexualidade. Enalteceu a ousadia do grupo, dizendo que foi a primeira vez em que vivenciou tal dinâmica com adolescentes, surpreendo-se com os resultados alcançados e a riqueza humana e emocional desvelada. Afirmou também que pretende resgatar essa reflexão em coluna semanal que mantém na revista AG do jornal Gazeta, o que confirma a importância das disciplinas diversificadas em trazer para a escola aprendizagens de vida e gerar efeito multiplicador sobre o entorno.