A prova do ENEM se aproxima e uma reflexão é inevitável: o impacto desse modelo de avaliação para o currículo dos Ensinos Fundamental e Médio.
A minha geração cresceu nos bancos escolares ouvindo que decorar todas as fórmulas, nomes específicos da biologia e química, as pormenoridades da civilização mesopotâmica e as “regrinhas” gramaticais eram importantes para passar na prova do vestibular.
Boa parte da estrutura curricular era (e ainda é) atrelada à necessidade de atender a uma prova bem específica, que mede o acúmulo de conteúdo, não tão essencial para a vida profissional e pessoal do aluno. Quantos jovens, que poderiam ser grandes profissionais, foram podados por esses exames rudimentares, pois essa sempre foi a regra do jogo.
A nossa grade curricular é um reflexo desse modelo arcaico: compartimentada como os exames de vestibulares antigos; geografia e história desconectadas e distribuídas aleatoriamente em aulas de cinquenta minutos; a matemática de fórmulas abstratas e descontextualizadas, e as ciências naturais subdivididas e preocupadas em nomenclaturas específicas. Fico imaginando um aluno de uma escola pública, com tantas necessidades de se inserir no mercado de trabalho, sentado cinco horas por dia ouvindo o professor destrinchar os detalhes da classificação do relevo brasileiro ou como decorar a tabela periódica. Quanto tempo perdido! Esse definitivamente não é o caminho para tornar a educação o pilar do desenvolvimento do país.
O modelo de prova do ENEM ainda carrega um pouco dessa abordagem desnecessária, mas inegavelmente, aponta para um contexto que valoriza a leitura interpretativa e analítica e não a decoreba; o raciocínio e não a mecanização dos exercícios escolares; a relacão de fatos e não o conteúdo isolado; as áreas de conhecimentros e não a divisão das disciplinas em pacotes conteudistas.
Essa nova abordagem nos induz à questão de que o ENEM deverá ser um eixo motivador para uma grande mudança curricular.
Creio que nos próximos anos, as escolas terão a necessidade de um currículo mais diversificado (abertura feita desde os novos parâmetros curriculares de 1996), valorizando os projetos pedagógicos relacionados a cidadania; uma matemática mais financeira que enfoque o funcionamento das taxas de juros, a inflação, o mercado imobiliário, o planejamento financeiro, as bolsas de valores; uma biologia mais voltada para a saúde, prevenção e meio ambiente; uma geografia mais integrada com a história, valorizando a questão cultural, econômica e humana.
Caminhamos para uma autonomia das escolas em relação à montagem de seu currículo, e isso terá mais peso (no caso das particulares) no momento da escolha da escola por parte dos pais. Vale ressaltar que as escolas capixabas mais bem classificadas no último ENEM, desenvolvem um currículo de caráter mais cultural, não tão conteudista, além de projetos interdisciplinares.
A transição para esse modelo curricular tende a ser gradativa e a formação dos profissionais também. Atualmente boa parte dos professores ainda vive dentro de sua “bolha disciplinar”, protegida por seu pacote conteudista, não querendo (ou sem condições de querer) interagir com as novas necessidades curriculares, que, diretamente também requerem mudanças na metodologia e procedimentos em sala de aula, visando a práticas que dariam um direcionamento diferente à formação do aluno, o qual deixaria de ser um mero reprodutor de ideias e se transformaria no protagonista. Eis o grande desafio que nos aguarda.